domingo, outubro 31, 2010

"Duas metades do mesmo zero"

É difícil escolher o momento da semana mais merecedor de indignação, se a encenação de um acordo entre PS e PSD, como se o acordo tornasse a nossa situação menos dramática ou dolorosa, se o anuncio do super candidato Cavaco sem o qual estaríamos bem pior, se a dupla Merkel/Sarkozy a retirar democracia à UE. Para já fico-me pela primeira. Da novela do acordo, nada mais há a dizer, para além da vergonha de dois partidos se preocuparem com proveitos eleitorais em vez de se preocuparem com a vida das pessoas, que vão sacrificar com este orçamento. Ideologicamente nada os separa, é a completa ausência de preocupação social. O orçamento continua mau e como existem 500 milhões que iram sair do nosso bolso, bem podemos preparar-nos para piores notícias. Que bem que assenta aqui uma citação de Guerra Junqueiro:

«Dois partidos (…), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (…) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, – de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (…)»

O agitar de um telemóvel ou o lamento é de uma foto histórica que ficou por tirar é o desfecho desta triste encenação. O que seria de lamentar é o futuro dos portugueses, que vão lutar por se manter à tona de agua, enquanto lêem as noticias dos lucros de 40% da Jerónimo Martins, da banca ou da acumulação de reformas milionárias, como a do ilustre Sr. Catroga. Deve ser fácil negociar o que não nos toca a nós.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Hipocrisia

Continua a saber-se aos bocadinhos os detalhes da austeridade, agora ficamos a saber que a taxa contributiva dos trabalhadores a recibo verde e com contratos a prazo vai aumentar. Numa coisa realmente o governo é coerente, o ataque aos pobres e desprotegidos é uma constante. Já não basta a precariedade, a inexistência de subsídios de natal, férias ou de doença, a angústia de não saber por quanto tempo terá trabalho e a injustiça de se estar em situação de “falso recibo verde”, acresce um aumento da carga de impostos. Mais uma vez, não se tem em conta a taxa de esforço destes trabalhadores, nem as condições desfavoráveis que já os afectam.

Ao mesmo tempo o governo anuncia quanto vai gastar com o BPN, nada mais, nada menos que 400 milhões, e já não falo no quanto vai gastar em assessoria e em propaganda. É bom que se saiba em nome de quê, se fazem sacrifícios. Em nome do salvamento dos bancos irresponsáveis, é óbvia a injustiça, mas pior é a ironia de estarmos a pagar as mentiras e a propaganda, que nos vão impingir depois, para aceitarmos de ânimo leve os sacrifícios que nos são exigidos. Que é uma injustiça, um assalto até, já percebemos, mas precisava de se revestir de hipocrisia e mesquinhez?

Por falar em hipocrisia, os ministros das finanças da austeridade reúnem-se na UE com o compromisso de eliminar o desemprego em 2020. Parece anedótico que as mesmas pessoas que actualmente estão a impor medidas, que vão atirar milhares para o desemprego, assumam tal compromisso. Se o emprego é fundamental, se calhar assumir esse compromisso já hoje não era má ideia. Reparo ainda nas vozes orgulhosas com o projecto de Edite Estrela, votado no Parlamento Europeu, que aumenta o subsídio de maternidade e paternidade. Nada contra claro, mas digam-me lá se os desempregados beneficiam dessa benesse? E as mulheres que são despedidas ainda grávidas ou melhor que classe média agora pobre, vai pensar em ter filhos sem ter como os sustentar. É pedir muito que se defenda o Estado social, começando pelos direitos mais elementares que estão seriamente em risco? Podem deixar-se de hipocrisia, se faz favor!

sábado, outubro 16, 2010

sexta-feira, outubro 15, 2010

Indecência

À medida que o orçamento vai sendo apresentado, vamos vendo as medidas de austeridade detalhadamente e percebemos como todos os limites para a decência e ética vão sendo ultrapassados. Chega-se à indecência de colocar o IVA de um pacote de leite para crianças, ao nível dos mesmos 23% com que é taxado um fato Armani, que o nosso Primeiro-Ministro tanto gosta. E quem fala no leite, fala nos sumos de fruta, no óleo alimentar e na margarina, nas conservas. Neste país beber um sumo ou comprar uma lata de milho é considerado um luxo. Aliás de acordo com as novas tabelas de IRS e o tecto às deduções fiscais, percebemos que o nosso governo acha que quem ganha 500 euros já é rico e não pode deduzir mais de 119 euros em despesas de saúde e educação. Isto vai para além do inqualificável, toda a gente sabe só a despesa em manuais e material escolar excede este valor. E o que acontece aos encargos com rendas ou empréstimos para habitação, já não cabem neste tecto, portanto é como se não existissem? A resposta é ter os filhos a estudar e ter uma casa também é um luxo neste país! O que não é um luxo neste país é acumular reformas milionárias e salários, isso pode-se continuar a fazer, um individuo com a cunha certa e o partido certo, pode perfeitamente trabalhar alguns anos na direcção de uma instituição de renome e obter uma reforma choruda mesmo que tenha 40 anos. Esta realidade, o estado pode sustentar sem problemas: vamos espoliar os pobres, os doentes, os reformados e os desempregados, mas não toquemos nos nossos amigos, até porque um dia vamos deixar o governo e queremos as mesmas benesses.

Acabei de descrever o que espero seja a percepção imediata das pessoas, perante estas medidas de austeridade. Mas é preciso perceber que há tudo um sistema económico internacional que está aqui subjacente e que permite explicar a imposição destas medidas de austeridade. A lógica é que se pretende que o rendimento do trabalho seja forçosamente ser miserável, para que estados e pessoas precisem de contrair empréstimos para sobreviver, numa espiral de divida. É questão para perguntar quem vende está ideia, a resposta é simples são os bancos centrais independentes, todo um sistema financeiro que ninguém elegeu e cujo negócio é a “dívida”. Seja dos Estados, seja dos cidadãos, o Sistema Financeiro lucra com o endividamento, empresta e recolhe esse crédito com juros elevados. Como nem uns nem outros têm capacidade de pagar essa divida, o sistema financeiro tenta absorver o que a economia produz e que devia ser empregue em investimento, emprego e despesas sociais. O nível de endividamento torna-se insustentável, e os governos insistem em injectar mais dinheiro na Banca. A grande consequência é que a Banca faz lobbie para impor este tipo de politicas, portanto temos as agências de rating em cima dos estados periféricos, a baixar as notações, façam os estados o que fizerem. De forma que a austeridade nunca será suficiente, o que significa que isto só terminará numa espécie de neo-feudalismo em que o cidadão comum não terá qualquer regalia pelo seu trabalho. Será que as pessoas acreditam mesmo que este tipo de medidas são provisórias e que não estamos a caminhar a passos largos para a neo-servidão?

segunda-feira, outubro 11, 2010

Irónico não?

Anunciadas as medidas de austeridade, não se discute a recessão que nos vai atingir. Discute-se se o PSD viabiliza ou não estas medidas, como se elas não fossem o que o PSD pretende. O PS refila e trocam-se acusações de irresponsabilidade. Como se não fosse este Centrão que nos deixou no caos financeiro, PS e PSD arruinaram o nosso aparelho produtivo, permitiram abusos nos gastos públicos para satisfazer as suas clientelas e o resultado é o que se vê. A comunicação social descobre agora, um site que existe há anos, que regista as compras públicas e os ajustes directos. Parece que descobriram agora que a administração pública está cheia de gestores incompetentes que não têm qualquer respeito pelo bem público e pelo dinheiro de todos nós. Mas este esbanjamento e má gestão surpreendem alguém?

Chegamos ao ridículo de ver circulares da PSP, aconselhando a redução da iluminação e do consumo de água, quando adquiram 5 milhões de euros de blindados para a cimeira da NATO. Nota-se que é a racionalidade que caracteriza estes plano de austeridade. Muito racional, foi também, a decisão de deixar cair a acumulação de reformas com salários. Porventura a única medida verdadeiramente justa deste PEC, caí por falta de coragem politica em afrontar elites que beneficiam desta acumulação.

O que já não surpreende é a subida dos preços dos combustíveis, aqui a contenção não se aplica, assim como o lucro que a GALP vai retirando dos poços de petróleo, que vão sendo explorados no Brasil. Os sacrifícios não são para todos e isso também não é novidade. Os sacrificados são os pobres e os doentes, no hipocritamente denominado “2010: Ano europeu consagrado à pobreza e à exclusão social”. Irónico, não?

sábado, outubro 02, 2010

Wishing you were anywhere but here... You watch the life you're living disappear

Wasted hours

All those wasted hours we used to know
Spent the summer staring out the window
The wind it takes you where it wants to go

First they built the road, then they built the town
That's why we're still driving round and round
And all we see
Are kids in buses longing to be free

Wasted hours, before we knew
Where to go, and what to do
Wasted hours, that you made new
And turned into
A life that we can live



Some cities make you lose your head
Endless suburbs stretched out thin and dead
And what was that line you said
Wishing you were anywhere but here
You watch the life you're living disappear
And now I see
We're still kids in buses longing to be free

Wasted hours, before we knew
Where to go, and what to do
Wasted hours, that you made new
And turned into
A life that we can live

Arcade Fire
The Suburbs
2010

sexta-feira, outubro 01, 2010

Porque hoje em dia curar uma úlcera fica muito caro

Fomos recentemente contemplados com mais um pacote de medidas de austeridade do nosso querido governo. Mais uma vez os mais pobres e socialmente carenciados são os mais atingidos, pagando uma factura pesada por anos de gestão pública incompetente, com negócios ruinosos que visam satisfazer clientelas e pelos largos milhares de euros que fogem ao controlo fiscal do Estado. Confesso que até pensei não escrever nada, porque ia repetir uma série de medidas alternativas já indicadas noutros posts, quando o anterior plano de austeridade foi anunciado. Mas quando eu ouço muita gente a concordar com estas medidas, acrescentando que já devia ter sido feito há muito, fico seriamente preocupada. Lá que os Silva Lopes deste país que acumulam reformas milionárias achem estas medidas positivas, até percebo, estas medidas tocam-lhes tanto como um mosquito a picar um elefante. Além disso se as finanças públicas estão como estão, foi por alimentar o tipo de mordomias que estes senhores gozam e de que não abdicam.

O que o cidadão comum tem que perceber é que faz uma taxa maior de esforço para suportar um IVA a 23% e todo este pacote de medidas, do que a Banca faria se pagasse um imposto a 25%, como qualquer comerciante. Recordo que a Banca portuguesa, só em 6 meses obteve lucros de 1.300 milhões de euros, sendo que se regista um aumento de lucro de 12,6% em relação a 2009. Ao passo que o cidadão comum viu o seu salário reduzido e todos os preços a aumentar de uma forma generalizada, enquanto se vê privado dos serviços de educação e saúde, e da protecção social a que tinha direito. Um milionário que desvie dinheiro para offshores, não só tem total impunidade como não tem qualquer prova de rendimentos a apresentar, mas um desempregado, uma mãe para receber o abono de família do filho tem de o fazer? Mas que país é este, que socialismo é este?

Como se tudo isto não fosse grave o suficiente, o governo não se contenta em sacrificar os pobres e avança também para os doentes. Acho que as pessoas ainda não se aperceberam bem, porque a medida ainda não entrou em vigor e tem passado na comunicação social, como um ligeiro aumento. Mas há medicamentos que aumentam mais de 10 euros por embalagem, e no caso de um conhecido medicamento para o estômago o aumento é de 18 euros. Convenientemente o preço vai desaparecer da embalagem, para o choque não ser tão grande. Se não querem ir para a rua manifestar-se ou fazer greve, eu até percebo, mas pelo menos, indignem-se, não digam que estas medidas são boas e que já deviam ter sido tomadas há muito tempo! É uma pura mentira imposta por quem beneficia com a injustiça que vos cai nos ombros. Não sejam ingénuos, nem ignorem, se não podemos fazer muito, podemos pelo menos estar atentos e informados. Podemos partilhar as nossas preocupações com quem não está informado. Desabafem e partilhem a indignação, porque hoje em dia curar uma úlcera fica muito caro!