terça-feira, outubro 31, 2006

Dia de Todos os Santos e Dia de Finados

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Nunca gostei de cemitérios. Sempre me pareceram lugares muito rectilíneos, monótonos, iguais. Uma sucessão de rectângulos brancos, mármore e mais mármore, como se a memória das pessoas que ali repousam fosse a mesma. Como se todas tivessem passado pela vida da mesma forma. As mesmas flores, o mesmo mármore, a mesma frase na lápide, como se a sua falta fosse sentida da mesma forma por todos.

Ainda que a morte possa ser o fim e que nada fique senão a memória, não deveria existir algo para além dos mármores brancos, rectilíneos, as mesmas jarras e as mesmas flores. Não podia ser de outra forma? Recordo os cemitérios-jardins norte-americanos. Não há mais nada senão relva e árvores, pequenas lápides dissimulam-se na paisagem. Dizem-me que é uma tentativa de ignorar a inevitabilidade da morte. Se calhar é, mas pelo menos não é branco, rectilíneo, simétrico, igual.

Eu não vou ao cemitério no dia 1 de Novembro. É como um ritual social completamente alheio ao verdadeiro significado da memória daqueles que perdemos. É um ritual conveniente. Como se nos outros dias, não tivéssemos de pensar naqueles que amamos e que partiram. Desculpa a indiferença perante a morte, que sentimos nos restantes 364 dias. Como se fosse desculpável, vivermos o nosso dia-a-dia apressado, indiferente às nossas perdas, desde que no dia 1 de Novembro nos lembremos delas.

Amanhã não vou ao cemitério, mas as minhas perdas estão comigo sempre. Não estão num lugar branco, rectilíneo, simétrico, igual. Não estão num lugar frio e distante que nada me diz, estão comigo e a sua memória surge quando eu menos espero, em vários momentos, em vários dias. Mais dias que 1 de Novembro...

segunda-feira, outubro 30, 2006

Palavras...

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Colagem com versos de Desnos, Maiakovski e Rilke


Palavras,

sereis apenas mitos

semelhantes ao mirto

dos mortos?

Sim,

conheço

a força das palavras,

menos que nada,

menos que pétalas pisadas

num salão de baile,

e no entanto

se eu chamasse

quem dentre os homens me ouviria

sem palavras?


Carlos de Oliveira

sábado, outubro 28, 2006

Memória de um concerto incrível

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Eu não sou crítica musical, portanto as únicas palavras que eu consigo proferir sobre este concerto, são as palavras banais: inesquecível, espectacular e incrível. Ora o concerto não foi banal, e qualquer comentário meu, nunca lhe faria justiça. O melhor que posso fazer, é deixar uma amostrazinha. Não foi fácil escolher uma música ou um momento do concerto, por isso acabei por decidir colocar aqui a música que mais tem a ver comigo, com este blog e espero, com as pessoas que vêm cá... "Invincible" e a respectiva letra:
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Muse Invincible Live


Follow through
Make your dreams come true
Don't give up the fight
You will be alright
Cause there's no one like you in the universe

Don't be afraid
What your mind consumes
You should make a stand
Stand up for what you believe
And tonight
We can truly say
Together we're invincible

During the struggle
They will pull us down
But please, please
Lets use this chance
To turn things around
And tonight
We can truly say
Together we're invincible

Do it on your own
It makes no difference to me
What you leave behind
What you choose to be
And whatever they say
Your souls unbreakable

During the struggle
They will pull us down
But please, please
Lets use this chance
To turn things around
And tonight
We can truly say
Together we're invincible

Together we're invincible

During the struggle
They will pull us down
Please, please
Lets use this chance
To turn things around
And tonight
We can truly say

Together we're invincible

Together we're invincible

Nota final: Não posso deixar de dizer que o concerto terminou com "Knights of Cydonia", de uma forma realmente inspiradora, com a seguinte frase a surgir repetidamente no écran:

The time has come to make things right

You and I must fight for our rights

You and I must fight to survive

quinta-feira, outubro 26, 2006

Agenda

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Hoje, às 21:00, concerto dos Muse na Praça de touros do Campo Pequeno.

"I can hardly wait...."

terça-feira, outubro 24, 2006

A “economia casino” e o regresso ao século XIX

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John Monks, secretário-geral da Confederação Europeia de Sindicatos, deu uma excelente entrevista ao jornal “Libération”, em que chama a atenção para a forma como os desequilíbrios criados pela globalização, estão a levar-nos a um retrocesso civilizacional. Regressámos ao século XIX, antes do socialismo e antes do Estado-Providência. Neste jogo existem os ganhadores e os perdedores, como se de uma economia de casino se tratasse:

«On voit les grands gagnants de ce loto: des jeunes, citadins, éduqués, à la tête d'entreprises dans la finance, le management, la communication, les services, le conseil, l'énergie... Ils surfent sur une totale dérégulation des flux financiers, l'ultralibéralisme, la vague d'immigration planétaire. Ils profitent du changement de nature de notre société. Laquelle accepte de voir les inégalités se creuser, au nom de la compétitivité, de la flexibilité et du culte du profit. On voit aussi les grands perdants, les intérimaires, les mal payés, les non-qualifiés : main-d'oeuvre interchangeable face aux délocalisations, aux chantages des multinationales et au recul grandissant du rôle de l'Etat. Les gouvernements laissent faire ou ont peur d'agir.»

Perante esta situação os governos recusam-se a agir, influenciados pelas teorias económicas que afirmam que a Europa só poderá competir com os EUA e a China, delapidando o Estado Social. Basta olhar para as politicas dos governos europeus ditos de centro-esquerda, justificada pela ideia errada de que os países com elevada protecção social, não atraem o investimento:

«Au fond, le Fonds monétaire international, la Banque centrale européenne, même la Commission, tous campent sur le dogme du consensus de Washington, qui veut que le futur du monde, le bonheur, passe par des vagues de libéralisation de l'économie. Et qu'il faut éliminer toutes les barrières qui entravent la voie au libéralisme... Cette philosophie est fausse, nuisible, et on se battra pour démontrer qu'on peut être compétitif avec une réelle dimension sociale

John Monks refere ainda que o sistema se radicalizou e se tornou mais violento, sendo que os direitos sociais conquistados ao longo dos sécs. XIX e XX se encontram ameaçados:

«Les fonds d'investissement passent d'une firme à l'autre, d'un conseil d'administration à l'autre, spéculent, détruisent, engrangent. Ce sont des parieurs sur le court terme, à la limite de la légalité, qui s'engraissent dans notre nouvelle économie-casino(...) L'équilibre est rompu. C'est le retour de l'économie de la fin du XIXe ! Avant l'essor du socialisme. Avant l'arrivée de l'Etat-providence. Avant l'éclosion des syndicats. Et ça, on ne peut pas l'accepter

Claro que é inaceitável, claro que é preocupante…. E eu pergunto, o que está a ser feito ou melhor o que pode ser feito, para que o fim do Estado Providência, não seja uma inevitabilidade?

segunda-feira, outubro 23, 2006

Parece-me apropriado...

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The Umbrellas

Renoir

domingo, outubro 22, 2006

Citação do dia

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«Acho que o PS devia ousar tocar naquelas percentagens absurdas de lucros dos bancos. Há hoje em quase todos os países europeus impostos sobre grandes fortunas, até no Luxemburgo. Os bancos deviam contribuir com uma parte para o esforço colectivo. O meu partido devia, por exemplo, ter criticado o Compromisso Portugal e aquela proposta de despedir 200 mil funcionários públicos. E não o ouvi fazer.»

Manuel Alegre em entrevista ao Diário de Notícias
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Exactamente! Então isso quer dizer que vai votar contra o orçamento de Estado, certo?

sábado, outubro 21, 2006

A tranquilidade de Marvão

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Fotografos de serviço: Cristina e Rui

sexta-feira, outubro 20, 2006

Quando as crianças deixam de ser crianças

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«Há três anos que Sara é apelidada de vaca e gorda pelos colegas de turma, sempre que responde às perguntas dos professores nas aulas. Por causa disso, as notas baixaram, e a auto-estima de adolescente também, para níveis perigosamente fracos. Desde que concluiu o 1.º ciclo que Francisco sobrevive num mundo onde quem não joga à bola nem reage à altura a todas as provocações só pode ser maricas. Chegou a ser pendurado com fita adesiva resistente a um poste da escola, pernas, braços e tronco atados a considerável distância do solo. Daniel só tem dez anos e, há poucas horas, um punho cerrado em frente da cara, à qual já tinham sido retirados com violência os óculos, deixou-o a chorar. "Hoje vais morrer", garantiu-lhe o colega.

O Ministério da Educação e as escolas podem não reconhecer o conflito como seu, garantir que representa apenas 5% dos problemas do sistema de ensino - não podem é dizê-lo a estes estudantes. São apenas três faces visíveis - mas anónimas, porque o medo e o estigma chegam muito além dos pátios e das salas de aula - do bullying nas escolas portuguesas. Deste fenómeno, definido como violência psicológica ou física entre pares, entre iguais, há especialistas que garantem poder ser causa de morte, de suicídio - aludindo a alguns casos verificados em Portugal mas nunca catalogados como tal. Noutros países, há relatos fundamentados deste extremo a que pode chegar quem é vítima sistemática de agressão, continuada e persistente - durante dias, meses, anos -, por parte dos colegas.

Daniel chegou à nova escola há poucos dias, dez anos de gente assustados com a imagem de um punho cerrado, desfocado à frente dos olhos sem óculos. "Já tenho alcunha, tenho, sou o orelhas", e foi assim que o chamaram quando lhe garantiram que ia morrer. A agressão não foi consumada, Daniel começou a chorar e a chamar a atenção, está agora no gabinete de gestão de conflitos. Sempre que olhava para o seu agressor, nas aulas, ele dizia-lhe "ainda vais levar". Agora, Daniel planeia mostrar-lhe a cicatriz da operação ao apêndice. "A ver se não me bate." »

in Diário de Notícias (edição online)

A estes casos, acrecento o do João, uma das crianças mais amorosas que eu conheço. Um colega mais velho trancou-o na casa de banho. O João só conseguiu sair com a ajuda de outros colegas, quando se queixou à auxiliar de acção educativa, ela encolheu os ombros e disse:

«Esse miudo, não respeita ninguém, não se aproximem dele»

Ora o menino, não respeita ninguém por isso vamos deixá-lo ir impunemente e se um dia ele se tornar num adulto desprezível, não é nada connosco....

quarta-feira, outubro 18, 2006

Questões ambientais I

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Calvin& Hobbes

segunda-feira, outubro 16, 2006

"Nada sabemos"

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Nunca sabremos si los engañados

son los sentidos o los sentimientos,


si viaja el tren o viajan nuestras ganas,

si las ciudades cambian de lugar

o si todas las casas son la misma.

Nunca sabremos si quien nos espera

es quien debe esperarnos, ni tampoco

a quién tenemos que aguardar en medio

del frío de un andén. Nada sabemos.

Avanzamos a tientas y dudamos

si esto que se parece a la alegría

es solo la señal definitiva

de que hemos vuelto a

equivocarnos.



Poema de Amália Bautista (que gentilmente a Sofia me deu a conhecer no seu blog)

domingo, outubro 15, 2006

Exclusivo: o fim trágico de Bin Laden

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Chega de superficialidades neste blog. Não aos copy/pastes de notícias do Público.
Após uma pesquisa aturada na net... este blog tem a honra de apresentar:
"O que realmente aconteceu a Bin Laden"

In: Family guy


Horas de pesquisa na net... Pesquisas que vocês, meros leitores, precisam que os bloggers façam por vós... Dados que a imprensa tradicional pretende esconder, mas que é o dever de um blog sério revelar. Não, não me agradeçam...

sábado, outubro 14, 2006

Anteontem estávamos em recessão, ontem não estávamos, hoje já estamos novamente

Anteontem, Portugal encontra-se em recessão económica.

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Ontem às 12 horas, 22 minutos, 45 segundos o ministro da economia decretou o final da crise económica em Portugal. Houve, até, quem olhasse para o céu e visse um clarão florescente, era crise a eclipsar-se, claro…
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Hoje, o ministro desmentiu a saída da recessão, afinal era só para motivar os portugueses, ou então, estava a gozar connosco…
Tem piadinha, sim senhor. Que tal uma carreira em stand-up comedy?

sexta-feira, outubro 13, 2006

quarta-feira, outubro 11, 2006

É a vida...

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Depois de assistirmos às notícias sobre raptos, assassinatos, acidentes de viação, mortos palestinianos e israelitas, descobertas de centenas de vítimas Taliban asfixiadas em contentores no Afeganistão, surge uma notícia que, como uma luz divina, redime todo o mal espalhado pela Terra: nasceu um bebé panda no Zoo de Pequim! O apresentador sorri largamente, pisca mesmo um olho cúmplice aos telespectadores. Depois das imagens de futebol, remata enfim, com tom sábio: «É a vida!»

É a vida, pois. Que mais queria? É a vida lá fora, não há nada fazer, é assim, vivei a vossa com paz e serenidade, não há nada a temer, é lá longe que tudo acontece (...) o telespectador é colocado dentro do mundo mas ao mesmo tempo acima dele, como se o vivesse não o vivendo. «É a vida», a nossa, a de todos. (...)

Paradoxo: por um lado, a televisão fabrica-me representações de um mundo longínquo; por outro, esse é o mundo adequado ao meu mundo. É o que me convém: se as imagens do mundo, não me dizem respeito ou me dizem longinquamente respeito, então está tudo bem assim. Eu nem me apercebo do longe, do afastamento, da ausência de mim a mim. Não há paradoxo, porque não há consciência dele. Não há sobressalto de pensamento. Tudo se mistura, talvez. Mas não «é a vida»?

Lembremo-nos que esta expressão vem de longe, e de outra zona discursiva: costumava terminar os comentários e as análises de António Guterres. Com uma leve carga de resignação, ela pretendia exprimir uma velha sabedoria cristã: aceitemos os males do mundo, os dissabores, tudo o que vai contra a nossa vontade, porque isso resulta de uma lógica e de um poder que nos ultrapassam. E já que a lógica do tempo histórico, é imbatível, aproveitemos então para, na nossa pequena esfera, tirarmos pequenos benefícios individuais. O sentimento de responsabilidade por uma comunidade, por um país, parece ter desaparecido.

Excerto de José Gil, Portugal, hoje: o medo de existir. Lisboa, Relógio de Água, 2004. pp. 8-13.

terça-feira, outubro 10, 2006

Bin Laden: "Ai que não fomos nós que o apanhámos!"

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A confirmar-se a morte de Bin Laden é uma desilusão enorme. O facto de não ter sido um ocidental a matá-lo deixa-nos um sabor amargo na boca. Mas é a vida: a febre tifóide pode não matar tanto como a CIA, mas também impõe respeito, e às vezes faz desfeitas destas.

O mais triste é que nem sequer foi uma doença mais própria da civilização ocidental a vitimá-lo. Se Bin Laden tivesse morrido com excesso de colestrol no sangue, por exemplo, talvez o nosso desânimo fosse menor. (...) Assim o tifo foi ganhar a guerra por nós, o que nos deixa numa posição ingrata.
É preciso reconhece-lo: somos tíbios a matar facínoras. Lembro que também não conseguimos matar o velho Adolfo. Nem um par de bofetadas bem assentes lhe demos, aliás. Hitler escapou do tifo mas matou-se.

Eu não percebo nada de geopolítica, mas acho que a morte de Usama Bin Laden nos deixa preocupadamente órfãos de inimigo, e o meu barbeiro também. O sr. Saraiva diz que os dois protagonistas desta guerra podem ter fins semelhantes: Bin Laden morreu com tifo, e há grandes probabilidades de George W. Bush morrer com um pifo.
Enfim, gente rústica que diz o que lhe vem à cabeça.

Ricardo Araújo Pereira, “Procura-se morto ou ainda mais morto” in Revista Visão de 28 de Setembro de 2006.

domingo, outubro 08, 2006

Anna Politkovskaia: a defesa dos direitos humanos custou-lhe a vida

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Várias centenas de pessoas saíram hoje às ruas de Moscovo para mostrarem a sua indignação pelo assassinato ontem da jornalista russa Anna Politkovskaia. O jornal para onde trabalhava vai publicar amanhã um artigo com várias notas que ela escreveu sobre casos de tortura na Tchetchénia.
Os manifestantes quiseram prestar uma homenagem a Anna Politkovskaia, jornalista russa independente encontrada ontem morta no seu prédio.

“O Kremlin matou a liberdade da palavra”, “Putin, responderás por tudo”, podia ler-se nos cartazes.

Hoje, o jornal para onde trabalhava Anna Politkovskaia, “Novaia Gazeta”, garantiu que vai publicar as suas notas sobre casos de tortura na Tchetchénia. (...)

Os Estados Unidos, Conselho da Europa, Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OCDE) e a Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) dizem-se chocados com esta morte, considerada “ignóbil” pela presidência finlandesa da União Europeia (UE). Lembrando que doze jornalistas foram assassinados na Rússia nos últimos seis anos, Washington disse que as intimidações e as mortes de jornalistas são “uma afronta para os media livres e independentes, mas também para os valores democráticos”.

(...) Os governos europeus e a sociedade civil devem exercer “pressões públicas” sobre Moscovo para que a segurança dos media na Rússia seja garantida, estimou o coordenador do Pacto de Estabilidade para os Balcãs, o austríaco Erhard Busek.

in Jornal Público (edição online)

Perante todos os tiques ditatoriais e sucessivos desrespeitos pelos direitos humanos, será desta vez que a Comunidade Internacional vai largar a mão de Putin? Gostava de pensar que sim...

sábado, outubro 07, 2006

Genialidade: papel de alumínio e paradas

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Vivemos no país dos pequenos génios. Não tenham dúvidas que há pequenos génios entre nós, tanto pode ser a senhora que se senta ao nosso lado no comboio, como o director de Marketing da SIC. Eles andam aí, emanam genialidade e de certeza estarão a votos entre os Grandes Portugueses recordados no ano de 2050.

Génios, porquê? Deixem-me começar pela senhora que se senta ao nosso lado no comboio. Um dia alguém lhe disse que a folha de alumínio só se utiliza com produtos alimentares. Ela disse não. As mentes audazes vão mais longe. As mentes audazes olham para a folha de alumínio e vêm um excepcional material para encapar livros. Nada mais prático. Cada vez que se manipula o livro, o som melodioso do amachucar da folha de alumínio. Scrap, scrap, scrap, scrap (haveria onomatopeia melhor para simular o som do amachucar alumínio, haveria… mas como não me lembro de outra, scrap será…). Vira-se a página. Scrap, scrap, scrap, scrap. Cruza-se a perna. Scrap, scrap, scrap, scrap. Pousa-se o livro. Scrap, scrap, scrap, scrap. Coloca-se a mala debaixo do livro. Scrap, scrap, scrap, scrap.

Mas a genialidade, está no secretismo. Ninguém sabe o que estamos a ler. Pode ser o Mein Kampf de Hitler, pode ser o Noddy, pode ser o Kamasutra. Quem olhar só vê os reflexos distorcidos do seu próprio rosto. Os estranhos não têm que saber da nossa vida. O que interessa se a melodia do amachucar alumínio perturba um bocadinho a concentração e a leitura. Que interessa, se 20 minutos de scrap, scrap, scrap, scrap, já é considerado técnica de tortura, bem mais eficaz que a tortura do pingo.

Mas este golpe de génio, nada é, se comparado com o aniversário da SIC. Uma parada. Ah… nós cá não tínhamos paradas! Mas agora temos, ah se temos… Metem a Floribela, as vaquinhas do Cow Parade, ranchos folclóricos e os palhaços da Associação Nariz Vermelho. Belo conceito de marketing, sim senhor. Aposto que quem precisava de circular pela avenida de Liberdade, também gostou. Os contribuintes que pagaram a força policial que controla a parada, também apreciaram. As crianças que nem almoçaram para ver a parada, a SIC e as audiências da SIC, os fabricantes de saias da Floribela, também ficam a ganhar…

Mentes audazes, génios que quase passam despercebidos.

sexta-feira, outubro 06, 2006

quarta-feira, outubro 04, 2006

Leia antes de se pronunciar sobre a emigração

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Say this city has ten million souls,
Some are living in mansions, some are living in holes:
Yet there's no place for us, my dear, yet there's no place for us.

Once we had a country and we thought it fair,
Look in the atlas and you'll find it there:
We cannot go there now, my dear, we cannot go there now.

In the village churchyard there grows an old yew,
Every spring it blossoms anew;
Old passports can't do that, my dear, old passports can't do that.

The consul banged the table and said:
'If you've got no passport, you're officially dead';
But we are still alive, my dear, but we are still alive.

Went to a committee; they offered me a chair;
Asked me politely to return next year:
But where shall we go today, my dear, but where shall we go today?

Came to a public meeting; the speaker got up and said:
'If we let them in, they will steal our daily bread';
He was talking of you and me, my dear, he was talking of you and me.

Thought I heard the thunder rumbling in the sky;
It was Hitler over Europe, saying: 'They must die';
We were in his mind, my dear, we were in his mind.

Saw a poodle in a jacket fastened with a pin,
Saw a door opened and a cat let in:
But they weren't German Jews, my dear, but they weren't German Jews.

Went down the harbour and stood upon the quay,
Saw the fish swimming as if they were free:
Only ten feet away, my dear, only ten feet away.

Walked through a wood, saw the birds in the trees;
They had no politicians and sang at their ease:
They weren't the human race, my dear, they weren't the human race.

Dreamed I saw a building with a thousand floors,
A thousand windows and a thousand doors;
Not one of them was ours, my dear, not one of them was ours.

Stood on a great plain in the falling snow;
Ten thousand soldiers marched to and fro:
Looking for you and me, my dear, looking for you and me.

"Refugee Blues" by W. H. Auden

terça-feira, outubro 03, 2006

domingo, outubro 01, 2006

A minha alma está parva!

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Espantosamente há quem defenda que os votos se podem comprar e vender, que a escravatura era um sistema económico aceitável que até beneficiava os negros, que o trabalho infantil é preferível à escolaridade obrigatória. Não acreditam? Aqui fica um excerto da entrevista de Fernanda Câncio a Pedro Arroja, em 1994:

Os políticos servem para gastar dinheiro, resumindo. Portanto os partidos devem-se organizar como empresas, viver de dinheiro privado, e em última análise os votos compram-se e vendem-se. Explique lá isso.

É muito fácil. Julgo que esse será o futuro da democracia. O que é que se passa agora? Os partidos políticos são financiados pelo Estado, portanto por mim, que não gosto de nenhum e tenho de pagar por todos. A ideia começa então por um financiamento privado dos partidos e não é assim tão tola porque entretanto em Itália já pegaram nisso.

Portanto só quem tem dinheiro é que pode ter um partido...
A menos que haja um partido que me queira mesmo que eu não tenha dinheiro. Mas é precisamente a pensar nos pobres que eu punha a questão da transacção do voto. Se uma pessoa tem direito a um voto mas não quer usá-lo, tem de o deitar fora. Noutro sistema, poderá vendê-lo a alguém que queira votar várias vezes. Já viu quantos pobrezinhos ficavam beneficiados?


(…) A ideia é limitar os poderes do Estado, que é para prestar serviços gerais à população, como a defesa. Não é para andar a tratar da vida de toda a gente, a dar saúde, emprego, etc. Isso cada um trata da sua vida.

A questão é que nós não podemos lançar um programa estatal para tratar uns fulanos que estão na rua, às vezes porque gostam de andar na rua.

(…) Agora não se esqueça que os negros americanos não estão na sua própria terra.

O homem que ganhou o prémio Nobel, este ano, Robert Fogel, provou que se o sistema da escravatura era politicamente inaceitável, em termos económicos, para os negros, era um sistema muito eficaz. Mais: que o trabalhador negro da época, escravo, vivia melhor que o trabalhador médio branco. (…) Sabe o que é? Vá a África e veja porque é que eles não trabalham. Gostam muito de sexo.


A saúde pública acabava. As pessoas sem dinheiro como é que faziam?


Há sempre associações de solidariedade... E se não se conta com o Estado para estas coisas, cada um de nós é muito mais prudente. Passar-se-ia a ter poupanças de lado para gastos de saúde, para a reforma, para a hipóteses de desemprego...

Trabalho infantil: diz que às vezes mais vale isso que a escola.

Com o sistema escolar vigente perdeu-se o ensinamento de comportamentos essenciais: obedecer à hierarquia, habituarmo-nos a cumprir compromissos... Agora o que quer que o menino faça chega ao final do ano e passa. Tem de chegar ao nono ano...

Acabava com a escolaridade obrigatória, portanto.

Claro. Eles tornam-se uns pequenos selvagens nessa idade crítica, que é dos seis aos quinze. Depois é muito difícil mudá-los...

Não deve existir legislação contra o trabalho infantil?

Não. Se a criança vai ou não trabalhar, é com os pais.

Não deve haver regras extra-família que definam os limites das relações entre pais e filhos? Como prevenir abusos, como precaver regimes de semi-escravatura?

É como nos casos de abuso físico: a criança vai parar ao hospital, enfim. A polícia participa.