quarta-feira, julho 27, 2011

Nada os afecta...

Depois do imposto extraordinário, o cidadão comum é brindado com aumentos nos transportes públicos na ordem dos 20%. A única coisa que não aumenta é mesmo a remuneração do trabalho, essa até diminui. E qual é o argumento? Nem é o desvio que afinal não é colossal, são as enormes dívidas das empresas de transportes, que de acordo com a Troika terão de ser reduzidas. A questão é, porque é que as empresas de transportes públicos se encontram endividadas? Não vamos pensar que a culpa foi de sucessivos gestores incompetentes que foram nomeados pela filiação politica e não pela capacidade de gestão, vamos pensar que a culpa está nos preços cobrados aos utilizadores e portanto a culpa é deles. Eles que paguem. O facto dos nossos transportes públicos serem dos mais caros da Europa também é irrelevante. O facto do nosso país precisar de reduzir a factura com importações de combustível, desincentivando o uso do transporte privado também é irrelevante. Já nem falo na capacidade das pessoas suportarem o aumento, isso sim irrelevante para este governo. Para isso serve a desculpa de que existirão tarifas sociais para as famílias pobres. Só não se explica como, nem a quem… tendo em conta que o governo acha que quem ganha mais que o salário mínimo é rico, prova-se a condição de pobre com IRS, leva o IRS quando compra um bilhete? E quem não declara o que recebe? E quem lê a declaração, a bilheteira electrónica? Perguntas parvas, certamente…

É pena que o rigor com o aumento da receita, não passe por outros domínios. A austeridade e a necessidade de reduzir o défice deixam de fazer sentido, quando o Estado abdica das Golden shares. Nove países europeus entre os quais a Alemanha, mantêm as suas golden shares em empresas estratégias, o governo português oferece-as de bandeja sem qualquer contrapartida. Centenas de milhões de euros oferecidos aos accionistas... Não faz mal, pede-se um imposto extraordinário a quem trabalha e não vive de dividendos de acções, aumentam-se os transportes, reduzem-se as indemnizações por despedimento... Octávio Teixeira já referiu e muito bem que se trata de um crime. Só lamento que as pessoas encarem de ânimo leve, a perda de milhões de euros que resultaram do esforço de todos os contribuintes, desde os nossos avós aos nossos pais. Todos contribuíram para que existissem linhas de alta tensão, postes de comunicações e todo um serviço de importância estratégica, e agora dá-se tudo, assim de graça? Os cidadãos que levam uma vida a pagar uma casa, uma propriedade também a venderiam à borla? Os portugueses nunca conseguiram entender o conceito de bem público, mas hoje em dia, ultrapassam-se todos os limites. Nada indigna os portugueses. Veja-se a recente sondagem da SIC. Nada os afecta ou pouco.

segunda-feira, julho 18, 2011

E que tal, um bocadinho de coerência?

Tenho reparado num fenómeno curioso de afirmação de tudo e do seu contrário com escassos meses de intervalo. O mesmo Presidente da Republica que dizia que “Aqueles que insultam os mercados estão a prejudicar seriamente o país. Deus nos livre se o Presidente da República não mede as palavras que usa”, hoje vocifera que são “uma ameaça à estabilidade da economia europeia” e que a descida de 'rating' português executada pela agência Moody’s é “escandalosa”. O candidato Passos Coelho que não ia aumentar os impostos e não sacrificar os mesmos de sempre, chega ao poder e puxa da cartola um imposto extraordinário esmagador. Não se ia desculpar com os erros do governo anterior, mas hoje fala de desvio colossal das contas, esse enorme desvio que escapou à genialidade fiscalizadora do FMI e dos técnicos da UE.

As mesmas pessoas que saíram à rua indignadas no dia 12 de Março, perante o corte do subsidio de natal, o aumento dos preços, da precariedade e do desemprego, da degradação dos serviços públicos, estão agora caladas e acham que tudo isto não é motivo de indignação. Porquê indignarem-se? Afinal quem tem rendimentos de juros, dividendos e acções não paga imposto extraordinário. A banca não só não paga, como recebe milhões do FMI. As empresas não têm nenhum aumento do IRC e até vão contribuir menos para os sacrifícios, com a descida da taxa social única. Tudo isto é da mais elementar justiça. E quanto às privatizações? Porque nos havemos de indignar quando serviços que financiamos estes anos todos, são oferecidos aos privados, que depois se encarregam de nos vender esses mesmos serviços, com um preço triplicado? E com que qualidade, se o objectivo é o lucro? Qualquer indignação não se justifica. Afinal estamos a abdicar da nossa dignidade e dos nossos direitos em prol de um bem maior, o pagamento da dívida. Claro que todos os sacrifícios, toda a austeridade nos darão um destino diferente dos gregos. Como se a nossa divida com juros fosse pagável... Nem explicando isto através de uma metáfora simples: nada disto tem a ver com aquelas famílias endividadas que resolvem os problemas com créditos a taxas de juro de 25% e acabam na bancarrota.... Não, não se indignem, façam os sacrifícios que os ricos e poderosos não querem fazer... e tudo vai acabar bem... para eles... para o cidadão comum sobram as misericórdias, soa bem, não soa?

quarta-feira, julho 13, 2011

Mais uma vitória portuguesa na Volta à França

Quase me esquecia de dar o devido destaque a mais uma espectacular vitória de um português no Tour, um pouco tarde mas fica a homenagem. Rui Costa venceu a 8ª etapa, depois de uma longa fuga, contrariando os ataques dos companheiros de fuga e com a grande pressão de ter um grande senhor chamado Vinokourov a escassos segundos. Tal como Sérgio Paulinho o ano passado, merece-me todo o respeito. Numa modalidade pouco apoiada e sempre subalternizada relativamente ao futebol, este dois ciclistas conseguem brilhar entre os melhores dos melhores.

terça-feira, julho 12, 2011

Aniversário de tudo e de coisa nenhuma...



My lover, you took me down to the valley
Where are you, my lover?
My killer, you took me down to the valley
You gave me a real good time
My brother, my sister

Return, Return
Return, Return, to me

Sister, this pain is real,
a stranger of which I know nothing Is out by my doorstep
He is my lover, my killer
He’s the breath beneath my wings
And the ropes around my ankles
He will take me down to the valley
Where my steps are unheard

Return, Return
Return, Return, to me

My hands up on the sky and my feet sinking in the sea
And that’s more, so much more than I can take too

Return, Return
Return, Return, to me

A Jigsaw

terça-feira, julho 05, 2011

Então vamos além do acordo com a Troika e ainda assim a nossa dívida é “junk”?

Será que li bem? Então não era suficiente ter um novo governo, cumpridor e credível, discípulo zeloso das políticas de austeridade e do neo-liberalismo, que vai para além do duramente exigido pelo FMI? Não acalmamos os mercados? Lixo? O que é feito das analises competentes das agencias de rating? Podemos conceber dois tipos de resposta:
  1. O único critério de agências como a Moody’s resume-se ao lucro que podem obter com os elevados juros da dívida de um país e nesse sentido qualquer medida terá sempre como consequência a descida do rating. Factos que apoiam esta ideia: Vamos de PEC em PEC, como bons alunos de austeridade e o resultado foi sempre descida do rating. Para além disso agências como esta, durante a crise imobiliária de 2008, classificaram com AAA empresas que faliram no dia seguinte...
  2. As agencias de rating fazem de facto análise económica competente e desinteressada, chegando à conclusão que as politicas de austeridade vão mergulhar o país numa profunda recessão, que o impedirá de pagar a dívida. E o corte no subsídio de Natal e outras medidas além-da-troika só vão apressar o processo. Factos que apoiam esta ideia: a classificação de lixo surge poucos dias depois do anuncio das novas medidas

E já agora, poupem-nos à ridícula declaração de que a Moody’s desconhecia o corte no subsídio de Natal e outras medidas além-da-troika, estamos na Era das novas tecnologias e as noticias não demoram meses a chegar aos EUA... E não estamos a falar de peritos competentíssimos e bem informados? É que o relatório diz isto: « Economic growth may turn out to be weaker than expected, which would compromise the government's deficit reduction targets. Moreover, the anticipated fiscal consolidation and bank deleveraging would further exacerbate this.»

segunda-feira, julho 04, 2011

Ingenuidades, imbecilidades e supresas

Houve quem esquecesse convenientemente que Pedro Passos Coelho prometeu ir para além do acordo assinado com a Troika. Houve quem não quisesse falar da sua declaração em Bruxelas, afirmando que o chumbou o PEC IV porque este não ia suficientemente longe. Durante a campanha eleitoral, ninguém estranhou que o PSD nunca tenha explicado em concreto, o que significa ir além das medidas impostas pelo FMI. Ingenuamente, para não dizer imbecilmente, a eleição tornou-se numa não eleição de José Sócrates, não interessando a alternativa. Agora o resultado está à vista, temos o programa de governo mais injusto e anti-social desde o 25 de Abril, com consequências tremendas não só para os mais pobres, mas para toda uma classe média e comprometendo a sobrevivência futura do Estado Social.

As ingenuidades, imbecilidades e convenientes esquecimentos cederam lugar à surpresa. Um corte de 50% no subsidio de Natal? Mas isso nem estava no acordo com o FMI... pois não, mas foi referido por banqueiros e economistas do PSD do movimento Mais Sociedade. António Carrapatoso defendeu o corte do 13º mês, João Duque defendeu que as empresas paguem menos impostos, aumentando o IVA. Aliás foi um dos factores que eu referi para não votar no PSD, quando escrevi sobre isso. O que pode surpreender talvez seja a falta de vergonha, uma medida não referida no programa eleitoral, que nem foi prevista pela rigorosa análise dos técnicos do FMI há somente 2 meses atrás. Nada disso importa quando há uma agenda ultra-liberal a cumprir! O que interessa o impacto dramático na vida das pessoas? Afinal há sempre as misericórdias para alimentar os pobres (sim porque do Estado esperem apenas vales para alimentação, porque os malandros dos pobres quando se apanham com dinheiro na mão esbanjam tudo...).

Só mesmo falta de vergonha, pedir a quem trabalha por conta de outrem, que dificilmente se mantém à tona tendo conciliar a perda de rendimentos com o aumento do custo de vida, que faça tal sacrifício quando se vai vender a desbarato tudo quanto o Estado tem de lucrativo. Como pode alguém aceitar pacificamente a perda de metade do 13º mês, quando Passos Coelho tenciona privatizar sectores que dão milhares de euros de lucro? Com a agravante ainda, de se exigirem mais impostos para cada vez menos serviços do Estado. Nada escapará. Caminhamos a passos largos para uma sociedade em que os ricos que podem pagar saúde, educação e transporte público com menos impostos, terão a melhor das vidas, enquanto os mais pobres assoberbados com impostos, não terão como pagar os serviços mais básicos, ficando com os restos do Estado social.

Graças às ingenuidades, imbecilidades e convenientes esquecimentos, chegamos isto. E não vamos ficar por aqui, é só o início. Qual será a próxima surpresa ou devo dizer choque? O aumento espantoso do IVA? O despedimento de funcionários públicos? O encerramento de câmaras municipais e juntas de freguesia? Será que o choque cura a imbecilidade?