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segunda-feira, maio 09, 2011

O que vem no memorando na Troika e não convém que se saiba o que significa - Parte III

Nesta terceira parte, vamos ver como se pretende atacar duramente os direitos laborais, de uma forma anti-constitucional, especialmente gravosa para quem depende exclusivamente da sua força de trabalho. Comecemos por ver o que acontece, a quem fique desempregado:

«Redução do desemprego de longa duração, reduzindo o subsidio de desemprego para 18 meses, tecto máximo do subsidio 1000 euros e redução de 10% no subsidio passados 6 meses de desemprego, facilitar a transição entre ocupações, firmas e sectores; o subsídio de desempregado será alargado aos trabalhadores independentes que tenham prestado serviços a uma só empresa, numa base regular»

Parte-se do princípio que quem fique desempregado consegue arranjar emprego num espaço de um ano e meio, o que em Portugal com o estímulo à criação de emprego, é tarefa fácil. Aliás até se pressupõe que em 6 meses se resolve a situação, porque já se está a cortar 10% do subsídio. Veja-se o drama para quem já auferia um salário baixo antes de ser afectado pelo desemprego… Por outro lado o facilitar a transição entre ocupações, significa que as pessoas poderão ter que aceitar um trabalho numa função diferente. E já agora, atenção à salvaguarda no acesso dos trabalhadores independentes ao subsídio, uma medida que seria justa, não fosse vincular a prestação de serviço a uma só entidade, numa base regular. Quem tiver prestações a várias entidades, já não tem direito ao subsidio…

«Reforma dos contratos de trabalho, indemnizações reduzidas de 30 para 10 dias por ano de trabalho, os despedimentos individuais ligados ao desajustamento do trabalhador às condições de trabalho são possíveis mesmo que não exista introdução de novas tecnologias ou mudanças no local de trabalho; a extinção do posto de trabalho não precisa de estar vinculada à antiguidade na empresa, sem que exista obrigação de transferir o trabalhador para uma função idêntica; aumento da flexibilidade horária e adopção do banco de horas; revisão do pagamento de horas extraordinárias em 50% e eliminar a compensação de horas por dias de ferias, só haverá aumento do salário caso aumente a produtividade.»

O capítulo da reforma dos contratos de trabalho é explica-se a si próprio. O esforço e dedicação anual de um trabalhador à empresa valem somente 10 dias de trabalho. O despedimento fica facilitado porque a inadequação do trabalhador, deixa de ter que ser justificada. Se a Troika conhecesse o termo “razão atendível” proposto pelo PSD, teria sido colocado aqui. A empresa nem tem que fazer uma tentativa de colocar o trabalhador numa outra função. Por outro lado, quem não for despedido, será sujeito à flexibilidade horária, o que na pratica significa trabalho fora de horas, que o banco de horas sugere que não será pago, e caso as horas extra sejam pagas, seja domingo ou feriado nunca excedem os 50% do valor habitual… Tendo em conta que na maioria dos trabalhos, quem cumpre a sua hora, já é olhado de lado e quem recebe horas extra as faz, para compensar um magro salário, o panorama não é bonito. Mas piora quando se afirma claramente que só existirá aumento salarial, se a isso corresponder aumento da produtividade. Se pensarmos que o trabalhador não controla nem os factores de produção, nem a gestão e organização do trabalho pelas chefias e muito menos os custos de produção, como poderá garantir o aumento da produtividade só por si? Tendo em conta a falta de qualidade dos gestores e os elevadíssimos custos de produção no nosso país, há produtividade como? Pode contar com congelamento ou mesmo redução salarial… Mas afinal, isto é um bom acordo, não é?

sexta-feira, março 11, 2011

12 de Março e o direito a expressar aspirações legítimas

Muito se tem falado da manifestação de amanhã, das intenções ou movimentações políticas que possam estar na sua origem. Acenam-se fantasmas de extremismos de esquerda e de direita, de anarquistas a fascistas. Ignora-se o fundamental, que é tão simples quanto isto, é impossível sobreviver com baixos salários, sem direitos ou garantias sociais ou laborais e sem qualquer perspectiva de melhoria deste quadro dramático. Pelo contrário, o que se tem verificado é um agravamento e uma deterioração das condições de vida e de trabalho. O mais chocante é que se sabe dos lucros obtidos pela Banca e pelas grandes empresas, como a EDP, a GALP, PT, Jerónimo Martins e etc, sabe-se da corrupção e do tráfico de influencias, da promiscuidade entre estas elites, entre políticos, gestores públicos e grandes empresários. A crise, as dificuldades económicas não passam por eles e toda a gente percebe que isso não só não é justo, como é profundamente imoral e errado.

Portugal é o segundo país da Europa com maior percentagem de trabalhadores contratados a prazo, segundo os dados mais recentes do European Company Survey. Estima-se que 2 milhões de pessoas estejam numa situação laboral precária, 600 mil desempregados, quantos mal remunerados, quantos sem rendimento ou com reformas miseráveis? Mais que uma geração, são várias gerações afectadas, as que não se auto-sustentam vão sobrecarregar outras que as ajudam a subsistir... Esta realidade pode continuar, perante o nosso silêncio e a nossa inacção? Uma realidade diferente é possível e há falta de estratégia mais eficaz, é na rua que as pessoas se fazem ouvir. E porque não amanhã? Sem aproveitamento político, porque o direito à felicidade e à qualidade de vida, está acima de qualquer politiquice e é uma aspiração legítima do ser humano!

domingo, fevereiro 06, 2011

Ai coitadinho...

O António Mexia é um injustiçado. Foi duramente criticado por ter recebido 3 milhões de euros em 2009, mas alegadamente recebe uma remuneração muito “abaixo do que se paga lá fora”. Para quem duvida que €3.1 milhões/ano seja uma injustiça e uma remuneração “abaixo do que se paga lá fora”, nada como uma pequena pesquisa no Google. Vamos pesquisar remuneração presidente da EDF (o congénere francês do Senhor Mexia) e rapidamente encontramos um artigo que condena a remuneração anual do presidente da EDF, Henri Proglio. “Et, voilá!” , Henry Proglio recebe €1.6 milhões anuais contra os €3.1 que o Mexia recebeu em 2009! Abaixo do que se paga lá fora??

E este jornalista chama fat cat ao Presidente da EDF, que para além de um salário milionário ainda o acumula com um 2º salário, o que perfaz um rendimento anual de 2 milhões de euros. Concerteza que sim, mas o que diria ele do nosso genial António Mexia, com a sua proeza de obter lucros em regime de monopólio, consegue com um só salário, um rendimento anual de 3 milhões de euros? Vai muito para além de fat cat! Deixemo-nos de injustiças!

E já agora, porque é que a nossa imprensa suave não fez esta pequena pesquisa e completou a notícia, tentando demonstrar a veracidade dos factos? Sem comentários...

terça-feira, dezembro 07, 2010

Compadrios e cunhas em estudo

Qualquer pessoa que viva e trabalhe em Portugal, já se apercebeu do intricado sistema de cunhas e compadrios que pulula em todos os sectores de actividade. O sector público ou o domínio das parcerias público-privadas torna-se mais evidente, porque ao habitual compadrio, junta-se o cartão partidário da cor certa. O que antes era um pouco vago, foi agora estudado com maior detalhe por um investigador português na Universidade Queen Mary de Londres:

«Pedro S. Martins estudou o período de 1980 a 2008, estabelecendo firmas do sector privado como grupo de controlo comparativo, e concluiu: "As nomeações do sector público aumentam significativamente ao longo dos meses imediatamente antes de um novo governo tomar posse. Também aumentam consideravelmente logo após as eleições, mas somente se o novo governo é de uma cor política diferente da do seu antecessor." (…) Os dados apontam para um "aumento significativo em contratações", que pode ir dos 10% aos 20%, no trimestre seguinte à entrada em funções de um Governo. Esse aumento, segundo as conclusões do estudo, começa porém a ocorrer antes das eleições - ou seja, antes de um Governo abandonar o poder. E o compadrio não se resume às posições de topo na hierarquia das empresas públicas: está espalhado por toda ela.


Este estudo só prova a existência de uma mentalidade cortesã que premeia a bajulação e a filiação partidária, em detrimento da competência, o que só por si explica a ineficiência e má gestão e a própria produtividade. Tenho sérias dúvidas que esta realidade esteja assim tão longe do privado... Mas a grande questão é porque a UE, não exige uma moralização do sistema e prefere mandar flexibilizar um mercado de trabalho, já de si precário e mal remunerado. Será que não sabem da corrupção e do compadrio, dos negocios ruinosos para a estado e das reformas milionarias acumuladas com salários?

quinta-feira, novembro 25, 2010

Dignidade no trabalho exige-se

Na sequência da greve geral, acho que faz sentido falar um bocadinho do mundo do trabalho. Todos nós já ouvimos histórias de horas extra não remuneradas, pessoas que fazem o trabalho de 2 ou 3, pressões psicológicas de vária ordem, remunerações baixas, falsos recibos verdes e podia continuar. Tudo isto acontece com um Código de Trabalho demasiado rígido, o que seria se não fosse… São muitos os motivos para o descontentamento e a indignação. Mas o mais preocupante é que a tendência é para ver a situação piorar. Veja-se o que se passa na Inglaterra. Na semana passada, o governo britânico anunciou que os desempregados que solicitam auxílio deverão realizar trabalhos não remunerados: caso se neguem a fazê-lo, perderão o subsídio. Estamos a falar da obrigação de realizar trabalhos de jardinagem, limpeza de lixo e outras tarefas manuais por apenas 1 libra/hora. Que melhor estratégia para eliminar postos de trabalho e reduzir custos, usando mão-de-obra quase gratuita?

A retórica que justifica este tipo de medidas, também é nossa conhecida: «esses preguiçosos que não querem trabalhar». Basta ver as últimas reportagens da RTP, para ver este argumento exibido até ao vómito. O que a RTP não disse, é quantos empregos disponíveis existem relativamente ao número de desempregados. No caso da Inglaterra, alegadamente pejada de preguiçosos, temos 459 mil empregos para 2,5 milhões de desempregados. Um preguiçoso poderá ter que disputar o trabalho com 250 colegas… se não conseguir terá de contentar-se com a categoria de desempregado trabalhador, 1 libra hora sem qualquer perspectiva de melhoria social, sabendo que antes estava no seu lugar alguém com emprego. Estamos muito perto da Servidão e não é impressão minha.

É urgente uma mobilização pelo regresso da dignidade no trabalho, seja com greves, protestos ou criticas em conversas de café. Ou melhor inventem-se formas eficazes de protesto, antes que seja tarde demais. Há coisas muito simples do dia-a-dia que alimentam o sistema que nos quer semi-escravos e das quais podemos abdicar: produtos bancários de investimento em acções, cartões de crédito e afins, consumismo irracional em produtos dispensáveis e porque não seguir a sugestão do Cantona? Agir é mesmo necessário!

segunda-feira, março 08, 2010

Alegria no trabalho

Foi com inquietação que li a entrevista de Christophe Dejours, Psiquiatra e Psicanalista, especialista em doenças mentais ligadas ao trabalho. Fenómenos como a avaliação individual do desempenho, a exigência de “qualidade total” e o outsourcing têm provocado situações de precaridade laboral, injustiça e assédio. Esta realidade origina uma atmosfera de sofrimento no trabalho que conduz ao isolamento, ao desespero, à depressão e em cada vez mais casos, o suicídio. A entrevista ajuda a perceber muita coisa e infelizmente quem trabalha, reconhece facilmente as técnicas de assédio, manipulação e medo que são analisadas por Christophe Dejours. Ficam alguns excertos que têm tanto de verdadeiro como de preocupante:

O que é que mudou nas empresas?

A avaliação individual é uma técnica extremamente poderosa que modificou totalmente o mundo do trabalho, porque pôs em concorrência os serviços, as empresas, as sucursais – e também os indivíduos. E se estiver associada quer a prémios ou promoções, quer a ameaças em relação à manutenção do emprego, isso gera o medo. E como as pessoas estão agora a competir entre elas, o êxito dos colegas constitui uma ameaça, altera profundamente as relações no trabalho: “O que quero é que os outros não consigam fazer bem o seu trabalho.”
Muito rapidamente, as pessoas aprendem a sonegar informação, a fazer circular boatos e, aos poucos, todos os elos que existiam até aí – a atenção aos outros, a consideração, a ajuda mútua – acabam por ser destruídos. As pessoas já não se falam, já não olham umas para as outras. E quando uma delas é vítima de uma injustiça, quando é escolhida como alvo de um assédio, ninguém se mexe…

Mas o assédio no trabalho é novo?

Não, mas a diferença é que, antes, as pessoas não adoeciam. O que mudou não foi o assédio, o que mudou é que as solidariedades desapareceram. Quando alguém era assediado, beneficiava do olhar dos outros, da ajuda dos outros, ou simplesmente do testemunho dos outros. Agora estão sós perante o assediador – é isso que é particularmente difícil de suportar. O mais difícil em tudo isto não é o facto de ser assediado, mas o facto de viver uma traição – a traição dos outros. Descobrimos de repente que as pessoas com quem trabalhamos há anos são cobardes, que se recusam a testemunhar, que nos evitam, que não querem falar connosco. Aí é que se torna difícil sair do poço, sobretudo para os que gostam do seu trabalho, para os mais envolvidos profissionalmente. Muitas vezes, a empresa pediu-lhes sacrifícios importantes, em termos de sobrecarga de trabalho, de ritmo de trabalho, de objectivos a atingir. E até lhes pode ter pedido (o que é algo de relativamente novo) para fazerem coisas que vão contra a sua ética de trabalho, que moralmente desaprovam.

Qual é o perfil das pessoas que são alvo de assédio?

São justamente pessoas que acreditam no seu trabalho, que estão envolvidas e que, quando começam a ser censuradas de forma injusta, são muito vulneráveis. Por outro lado, são frequentemente pessoas muito honestas e algo ingénuas. Portanto, quando lhes pedem coisas que vão contra as regras da profissão, contra a lei e os regulamentos, contra o código do trabalho, recusam-se a fazê-las. Por exemplo, recusam-se a assinar um balanço contabilista manipulado. E em vez de ficarem caladas, dizem-no bem alto. Os colegas não dizem nada, já perceberam há muito tempo como as coisas funcionam na empresa, já há muito que desviaram o olhar. Toda a gente é cúmplice. Mas o tipo empenhado, honesto e algo ingénuo continua a falar. Não devia ter insistido. E como falou à frente de todos, torna-se um alvo. O chefe vai mostrar a todos quão impensável é dizer abertamente coisas que não devem aparecer nos relatórios de actividade.
Com um único assédio, consegue-se dominar o colectivo de trabalho todo. Por isso, é importante, ao contrário do que se diz, que o assédio seja bem visível para todos. Há técnicas que são ensinadas, que fazem parte da formação em matéria de assédio, com psicólogos a fazer essa formação.

Uma formação para o assédio?

Exactamente. Há estágios para aprenderem essas técnicas. Posso contar, por exemplo, o caso de um estágio de formação em França em que, no início, cada um dos 15 participantes, todos eles quadros superiores, recebeu um gatinho. O estágio durou uma semana e, durante essa semana, cada participante tinha de tomar conta do seu gatinho. Como é óbvio, as pessoas afeiçoaram-se ao seu gato, cada um falava do seu gato durante as reuniões, etc.. E, no fim do estágio, o director do estágio deu a todos a ordem de… matar o seu gato.

Está a descrever um cenário totalmente nazi...

Só que aqui ninguém estava a apontar uma espingarda à cabeça de ninguém para o obrigar a matar o gato. Seja como for, um dos participantes, uma mulher, adoeceu. Teve uma descompensação aguda e eu tive de tratá-la – foi assim que soube do caso. Mas os outros 14 mataram os seus gatos. O estágio era para aprender a ser impiedoso, uma aprendizagem do assédio.

É a isto que se chega numa sociedade que premeia o lucro, sem ter em conta as pessoas. É a completa desumanidade nas relações laborais e sociais. São entrevistas como esta que me mostram que eu não estou enganada, quando chamo a atenção para este tipo de injustiça. Mesmo que me repita, vou continuar a escrever sobre o que acontece quando o lucro vem antes das pessoas.

quinta-feira, novembro 26, 2009

E a solução é..... Congelar os salários e aumentar os impostos!!

Ao discurso do congelamento de salários, junta-se agora as sábias vozes do governador do Banco de Portugal e dos ilustres economistas que em coro defendem um aumento de impostos. Como se os portugueses não tivessem os salários mais baixos da Europa, sendo que os que efectivamente pagam impostos têm uma carga fiscal substancial. Estas vozes ilustres não falam do aumento de receitas que traria um combate efectivo à corrupção. Basta pensar que só os préstimos do Sr. Oliveira e Costa e companhia custaram ao país 6% da riqueza produzida. Nem o plano Cravinho foi tirado da gaveta.

Mas existem mais alternativas para aumentar a receita, porque não taxar as grandes fortunas e as transacções em bolsa, para já não falar da carga fiscal sobre a Banca que é inferior à exigida a uma pequena e média empresa. E do lado da despesa? Porque é que as vozes ilustres não se insurgem contra as grandes obras públicas?

Não saberão as vozes ilustres, que os baixos salários e a elevada carga fiscal, vão levar a uma diminuição do consumo e da procura interna que estiveram na base do parco índice de crescimento, que levou Sócrates a proclamar que não estamos em recessão. É pena que não tenham lido o artigo de Stewart Lansley, que eu citei no último post. Talvez assim percebessem os perigos do declínio salarial das classes média e baixa e da canalização da riqueza produzida para o pagamento de salários de topo e bónus na área financeira. Se calhar o problema, não está no desconhecimento mas nos poderes que se iam afrontar.

terça-feira, abril 28, 2009

Mayday: porquê?

Aproxima-se o 1º de Maio e com ele uma manifestação chamada Mayday, especialmente dedicada ao combate do trabalho precário entre os jovens. Cada vez faz mais sentido, qualquer iniciativa que denuncie o trabalho precário , que cada vez mais se torna a regra, em vez de excepção. Todos conhecemos casos de pessoas que efectuando um trabalho de um qualquer funcionário com contrato, sao pagas a recibo verde, sem direito a férias, nem a estar doente, nem a faltar justificadamente, e sem direito a subsidio de desemprego. Recordo que se tratam de direitos laborais conquistados no séc. XIX e que são negados em pleno séc. XXI às gerações mais jovens.

Infelizmente esta realidade não é nova, o que me leva a escrever este post, é que a realidade da precaridade está a assumir contornos perfeitamente inadmissíveis. Como é do conhecimento geral, o Estado era um dos maiores empregador es de trabalhadores a recibo verde. Agora numa tentativa de moralizar o sistema (já veremos se é disso que se trata), o governo proibiu a contratação a recibo verde. A consequência tem sido um inventar de esquemas para colmatar essa situação, como tentar persuadir os trabalhadores a constituírem-se como empresas ou tão ou mais grave, recorrer a empresas de recrutamento de mão-de-obra a recibo verde.

Na prática o Estado não comete nenhuma ilegalidade, os precários continuam a trabalhar a recibo verde, com a escandalosa agravante de serem explorados por uma segunda entidade, que irá obter lucros dessa posição porque cobra ao Estado, que não paga directamente aos funcionários. Já tinha ouvido rumores que isto estava a acontecer, mas não tinha lido sobre casos concretos até aqui. O blog “Precários inflexíveis” denuncia a estranha relação da Câmara Municipal de Caldas da Rainha e a empresa ESContact Center que passo a citar:

«A ES Contact Center irá gozar de um investimento de 700 mil euros da câmara municipal das Caldas da Rainha. Segundo uma notícia recente do DN, a ES Contact Center mencionou epistolarmente a possibilidade de procurar outras paragens caso a autarquia recusasse embarcar nesta ajuda. Importa aqui referir que o administrador delegado da ES Contact Center é Pedro Champalimaud, presidente da Associação Portuguesa de Contact Centers (APCC), pelo que a ameaça de deslocalização assume uma gravidade acrescida. Mas está tudo bem, a ameaça não se concretizará.

Afinal, a mesma ES Contact Center que agora vem pedir patrocínio aos contribuintes das Caldas da Rainha e de todo o país foi considerada há um ano a empresa do ano em 2007, recebendo um prémio da própria Câmara Municipal das Caldas da Rainha. E Pedro Champalimaud recebeu do sector o prémio individualidade do ano em Dezembro, pelo seu trabalho à frente da ESContact Center e da APCC. Por isso, há que mantê-los nas Caldas da Rainha a todo custo, não é? Terá sido o que pensou o Presidente da autarquia, Fernando Costa (PSD), que fez aprovar o negócio há dias em assembleia municipal. Argumenta o Presidente que estes 700 mil euros representam a garantia de mais “300 a 350postos de trabalho” no concelho e "150 mil euros de ordenados por mês".

E ficaria também bem perguntar aos responsáveis da RTP, do Turismo de Portugal, do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana e do Instituto Português da Juventude – todos clientes ilustres da ES Contact Center - se estão dispostos a assumir uma posição clara contra esta extorsão de dinheiro dos contribuintes e acima de tudo contra a precariedade e exploração dos trabalhadores do call center.»

É esta a novidade que nos deve indignar profundamente. Há quem consiga lucrar com a exploração laboral que já era dramática sem intermediários sem escrúpulos. É incrível a falta de ética, que é induzida pelo próprio Estado, cujo objectivo é camuflar a realidade do trabalho precário no sector público. A precariedade aumenta e os direitos laborais conquistados no sec.XIX ficam cada mais longe, a não ser que iniciativas como o Mayday venham alertar para a necessidade de os reconquistar.

quarta-feira, abril 01, 2009

Caso práctico

Já escrevi muitos posts sobre a recessão e sobre a necessidade de re-inventar um sistema económico e social mais justo e igualitário. A maior parte das vezes mais em teoria do que na prática, e por prática, refiro-me ao impacto que o neoliberalismo tem na vida concreta das pessoas. Por isso vou partilhar neste post, a situação dramática que se vive numa empresa perto de mim, que podia ser qualquer uma outra noutro ponto do país.

Os trabalhadores não recebem salários desde Novembro do ano passado. Pode-se imaginar o drama das pessoas, muitas da mesma família a trabalhar no mesmo local. Resolveram fazer um protesto à porta da empresa e parar a laboração. Foi então que lhes foi "sugerido" que levassem o seu protesto à Câmara Municipal. Aparentemente a culpa dos salários em atraso é de uns 200 mil euros que ainda não foram pagos. Seria suposto acreditar que a empresa não teria outras fontes de receita? A estratégia era essa...

Conscientes ou não da manipulação subliminar ou porque não existia alternativa, os trabalhadores acederam a levar o protesto para outro lado. E lá foram para a praça do município, onde já estavam mais polícias que trabalhadores. E lá foram recebidos pelo Presidente da Câmara que acedeu a dar um aval ao tal pagamento...

Um final feliz? Para o empresário sim, recebeu uma dívida que nunca receberia sem esta pressão dos trabalhadores, com um bando de jornalistas locais atrás, diga-se... E os salários em atraso continuam sem ser pagos, enquanto outros bens foram adquiridos e rapidamente colocados em nome de esposas e netos...

Ao ponto que chega a mesquinhez e a manipulação... usar a dignidade dos trabalhadores em proveito próprio, desta forma? É o capitalismo selvagem no seu melhor, sem regulação e aos desprotegidos, sem defesa, nem a dignidade resta...

segunda-feira, agosto 06, 2007

Uma formação intelectual sólida vale por si

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«O pressuposto é o de que a única função do ensino superior é a de servir de canal de inserção no mercado de trabalho. Uma frequência universitária que não culmine directamente no acesso a uma posição profissional ajustada às aspirações estatutárias e remuneratórias que supostamente transporta consigo, constitui, mais do que uma perda de tempo, uma traição para com aqueles que aí investiram o seu «esforço» (muitas vezes ilustrado através do sugestivo termo «queimar as pestanas») e o dinheiro dos progenitores. Este pressuposto encontra-se bem presente aqui e ali; no modo com que se abusa da inominável expressão «canudo» para se classificar um diploma de formação universitária ou de outras como «tirar um canudo para nada», quando o referido atestado não assegura o acesso a um conjunto de empregos conformes.


«Para nada» – a expressão diz tudo. Sem tradução num valor claro no mercado de trabalho, uma formação superior seria como que uma vacuidade que lança também no vazio a pessoa que a possui. Isto, como se uma formação intelectual sólida, obtida no quadro de saberes constituídos ao longo de séculos, não constituísse um valor em si mesmo, com óbvias consequências na mobilidade cognitiva e consciência crítica dos indivíduos e, por essa via, no dinamismo intelectual e cívico de uma sociedade inteira. (…)»


Estamos agora preocupados com os reflexos do desemprego dos licenciados na imagem social do ensino superior. A sociedade não pode pensar que um canudo não vale nada. A sociedade não pode deixar de compreender, que uma formação intelectual sólida vale por si. Vale por si, mas não tem de valer um emprego. Pena é que a mobilidade cognitiva e a consciência critica não paguem as contas e a alimentação. Sem negar o valor da formação intelectual, porque é as universidades não abrangem também uma vertente práctica, que a enquadre com o mercado de trabalho?


Mas a questão fundamental, está na valorização social da “formação intelectual sólida” e da “mobilidade cognitiva e consciência crítica dos indivíduos”. Por isso eu pergunto porque é esses factores não são percebidos pelos empregadores? E até que ponto as universidades e o próprio Estado, se têm esforçado em valorizar a formação intelectual?

terça-feira, julho 31, 2007

Vamos chama-las vidas a prazo

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Ainda bem que há exemplos de bom jornalismo, confesso que às vezes me esqueço disso, dada a banalidade de tantos artigos que nos entram pelos olhos. Finalmente um artigo que faz uma excelente análise da situação precária de um milhão de portugueses. Já não era sem tempo… A realidade da precariedade laboral em Portugal, tem sido varrida para baixo do tapete, enquanto se tenta vender a ideia da flexisegurança.


«Foi no início dos anos 90 que os primeiros casos de «falsos recibos verdes» (um trabalhador que cumpre as mesmas funções dum empregado por conta de outrem, com horário, hierarquia, posto de trabalho, ordens de superiores) entraram pelo gabinete de Garcia Pereira. Hoje, continua a não haver dados exactos, pois «como é uma prática ilegal, não há números fidedignos». E assiste-se a novas tentativas de dissimulação do fenómeno, como a constituição de empresas sub-contratadas para prestar serviços.


(…) No século XXI, em Portugal, «continua a praticar-se 'dumping social'», denuncia Garcia Pereira. «Os trabalhadores a recibo verde são mão-de-obra dócil e barata. Não têm quaisquer custos para o trabalhador e não têm qualquer direito. Além disso, têm uma dupla tragédia em cima: se são despedidos ficam sem o seu salário e sem direitos sociais.»


As empresas ainda obedecem à lógica de que «só podem existir empresas estáveis com pessoas instáveis». Quanto à Inspecção-Geral de Trabalho, que tem por papel fiscalizar casos de fraude, a sua actuação é manifestamente insuficiente, segundo o advogado: «A OIT (Organização Internacional de Trabalho) recomendou que Portugal tivesse 750 inspectores no quadro. Neste momento, temos 252 inspectores para todo o país. Há uma total incapacidade de resposta. E também uma clara vontade de não 'apertar' com as empresas que têm estas práticas fraudulentas», diz. «A prosseguirmos por este caminho, o desastre é total. A lógica de que trabalhadores desmotivados e receosos são melhores é um disparate pegado.»


Do artigo constam ainda testemunhos reais, de pessoas que sentem a precaridade na pele. Serão muitas mais, mas têm medo de dar a cara e perderem o sustento, que apesar de precário é o único que têm. Infelizmente para elas e para todos nós, enquanto sociedade, estas pessoas são vistas como números e não como seres humanos. Só assim se compreende que existam vidas como esta:


«O homem, de meia idade, era bem-parecido. Ar distinto, fato e gravata, professor universitário, respeitado por todos. Dava aulas numa faculdade privada há doze anos, quando um dia foi «dispensado». Havia, no entanto, um 'se'. Apesar de cumprir as funções de docente de forma continuada, o professor tinha um contrato de prestação de serviços, não era trabalhador por conta de outrem. Estava a recibos verdes, e isso significa não ter direito a subsídio de desemprego, doença ou reforma. (…) Sem fonte de rendimento nem rede social de qualquer espécie, este homem só não morreu de fome porque o Banco Alimentar lhe garantia as refeições.

O professor universitário, com mestrado, passou da capital do país para um casebre emprestado, sem electricidade, num descampado nos arredores de Coimbra.»


sexta-feira, abril 20, 2007

Novas oportunidades para quem?

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A mais recente campanha do governo de José Sócrates, chega a ser ridícula ou então vivemos em países diferentes. Em Portugal existem 56 mil licenciados desempregados e valoriza-se a qualificação? Estamos a incentivar as pessoas a investir na sua qualificação, quando não existe uma política de emprego que valorize essa qualificação? Incutir falsas expectativas é muito feio… E como se sentem as pessoas licenciadas, que se viram obrigadas a aceitar empregos que nada têm a ver com a sua formação académica, perante esta campanha do governo?

Este cartaz do BE, parece mais em conformidade com o país onde eu vivo…




sábado, abril 07, 2007

Para quem tem dúvidas sobre a imigração

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Uma semana depois do cartaz xenófobo colocado no Marquês de Pombal, o Diário Económico revelou que os imigrantes que trabalham em Portugal contribuem 7% para a riqueza nacional, o equivalente a uma Portugal Telecom por ano ou a cinco Auto-Europas, ou seja, cerca de 11 mil milhões de euros. Isto apesar da exploração a que estão sujeitos, das dificuldades em obter a legalização, e da recusa dos bancos em fornecer empréstimos os imigrantes para compra de casa.

Segundo notícia do Diário Económico, os imigrantes em Portugal contribuem para 7% do PIB. Eduardo de Sousa Ferreira, professor catedrático do ISEG, explica que, apesar de só existirem dados concretos até 2005 que «apontavam para um contributo de 5% a 6%, mas a partir daí pode considerar-se os 7%, até porque os imigrantes ocupam agora funções mais qualificadas». O especialista lamenta no entanto a falta de informação causada pela ilegalidade em que muitos dos imigrantes permanecem.


Cartoon de Mike Keefe

Maria Lucinda Fonseca, investigadora do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, sustenta que os imigrantes, que deverão atingir o meio milhão este ano, «têm uma taxa de actividade mais elevada do que a restante população activa portuguesa, em parte devido à sua estrutura etária». A investigadora especifica que «os imigrantes representam actualmente cerca de 9% a 10% da população activa nacional apesar de serem menos de 5% da população portuguesa». Este facto determina que os imigrantes contribuam mais do que aquilo que beneficiam em termos de segurança social, pois apenas 2,5% dos pensionistas são imigrantes.


Também o contributo dos imigrantes enquanto consumidores tem permitido alimentar a procura interna, "indicador que até 2006 foi fundamental para sustentar o crescimento económico. Helena Rato, directora do departamento de investigação do Instituto Nacional de Administração, lamenta no entanto o facto de os imigrantes não poderem comprar casa, devido à atitude dos bancos que "temem incumprimentos nos empréstimos". A directora classifica essa atitude de "irracional" já que "a casa fica sob hipoteca", acrescentando que "a residência fixa é um requisito para a legalização". De facto são dezenas de milhares os imigrantes que não estão legalizados, ficando assim à mercê da exploração fácil e sem direitos sociais fundamentais.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

É o que se chama "integrar"...

Ricky Gervais

terça-feira, novembro 21, 2006

Selecção natural das espécies


Pela primeira vez, neste blog: a vida selvagem. Imaginem um maravilhoso e impressionante ecossistema, denominado “concurso externo de ingresso para provimento de um lugar de …”. Impressionante porque este ecossistema conseguiu subverter todo o processo de selecção natural das espécies, como nós o conhecemos. Porque na realidade de externo, não tem nada. Toda a gente sabe que assim é, no entanto a comunidade científica continua a apelidá-lo de “concurso externo de ingresso para provimento de um lugar de …”, em vez de “concurso externo de ingresso para quem já está a contrato há 3 anos…” ou se quiséssemos ser precisos: “concurso externo de ingresso para o primo do irmão do sr. presidente…”.

Assim, devidamente reconhecido pela comunidade científica, este ecossistema é habitado por pequenas espécies incautas que na sua luta pela sobrevivência, acreditam tratar-se efectivamente de um “concurso externo de ingresso para provimento de um lugar de …”. Estes espécimes chegam a deslocar-se 200, 400 km e às vezes mais, para depois verificarem que mais não são que um objecto fundamental à reprodução do próprio ecossistema.


Segundo a comunidade científica, a selecção natural não se faz, se existir uma só espécie no ecossistema, logo existe um processo claro e transparente, em que, de entre inúmeros espécimes, só o mais capaz sobrevive. Quando na realidade, só uma espécie irá tirar partido deste ecossistema e já foi seleccionada à partida.


A selecção natural no ecossistema “concurso externo de ingresso para provimento de um lugar de …” é uma farsa a que toda a comunidade científica assiste impávida e serena. Deixemos a hipocrisia imperar e continuemos a brincar com a vida dos espécimes que alimentam este ecossistema.