sexta-feira, outubro 15, 2010

Indecência

À medida que o orçamento vai sendo apresentado, vamos vendo as medidas de austeridade detalhadamente e percebemos como todos os limites para a decência e ética vão sendo ultrapassados. Chega-se à indecência de colocar o IVA de um pacote de leite para crianças, ao nível dos mesmos 23% com que é taxado um fato Armani, que o nosso Primeiro-Ministro tanto gosta. E quem fala no leite, fala nos sumos de fruta, no óleo alimentar e na margarina, nas conservas. Neste país beber um sumo ou comprar uma lata de milho é considerado um luxo. Aliás de acordo com as novas tabelas de IRS e o tecto às deduções fiscais, percebemos que o nosso governo acha que quem ganha 500 euros já é rico e não pode deduzir mais de 119 euros em despesas de saúde e educação. Isto vai para além do inqualificável, toda a gente sabe só a despesa em manuais e material escolar excede este valor. E o que acontece aos encargos com rendas ou empréstimos para habitação, já não cabem neste tecto, portanto é como se não existissem? A resposta é ter os filhos a estudar e ter uma casa também é um luxo neste país! O que não é um luxo neste país é acumular reformas milionárias e salários, isso pode-se continuar a fazer, um individuo com a cunha certa e o partido certo, pode perfeitamente trabalhar alguns anos na direcção de uma instituição de renome e obter uma reforma choruda mesmo que tenha 40 anos. Esta realidade, o estado pode sustentar sem problemas: vamos espoliar os pobres, os doentes, os reformados e os desempregados, mas não toquemos nos nossos amigos, até porque um dia vamos deixar o governo e queremos as mesmas benesses.

Acabei de descrever o que espero seja a percepção imediata das pessoas, perante estas medidas de austeridade. Mas é preciso perceber que há tudo um sistema económico internacional que está aqui subjacente e que permite explicar a imposição destas medidas de austeridade. A lógica é que se pretende que o rendimento do trabalho seja forçosamente ser miserável, para que estados e pessoas precisem de contrair empréstimos para sobreviver, numa espiral de divida. É questão para perguntar quem vende está ideia, a resposta é simples são os bancos centrais independentes, todo um sistema financeiro que ninguém elegeu e cujo negócio é a “dívida”. Seja dos Estados, seja dos cidadãos, o Sistema Financeiro lucra com o endividamento, empresta e recolhe esse crédito com juros elevados. Como nem uns nem outros têm capacidade de pagar essa divida, o sistema financeiro tenta absorver o que a economia produz e que devia ser empregue em investimento, emprego e despesas sociais. O nível de endividamento torna-se insustentável, e os governos insistem em injectar mais dinheiro na Banca. A grande consequência é que a Banca faz lobbie para impor este tipo de politicas, portanto temos as agências de rating em cima dos estados periféricos, a baixar as notações, façam os estados o que fizerem. De forma que a austeridade nunca será suficiente, o que significa que isto só terminará numa espécie de neo-feudalismo em que o cidadão comum não terá qualquer regalia pelo seu trabalho. Será que as pessoas acreditam mesmo que este tipo de medidas são provisórias e que não estamos a caminhar a passos largos para a neo-servidão?

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