sexta-feira, dezembro 29, 2006

Feliz ano novo

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Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).



Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de Janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

A todos os meus leitores, comentadores e amigos, um grande 2007!!

quarta-feira, dezembro 27, 2006

O ano de 2006 revisitado

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Habituei-me a chegar ao final do ano e a olhar para trás, tento perceber se o ano que termina me marcou de alguma forma. Vejo como a minha memória é selectiva. Recordo imediatamente um facto mau, a perda da minha amiga cuja falta continuo a sentir. Procuro alguma coisa de positivo, as pessoas novas na minha vida, espaços novos, mudanças...

Assaltam-me as incertezas, as inseguranças, as perdas, as desilusões, as palavras que não deviam ter sido ditas. Mas há o meu blog, que bem me fez o meu blog, as minhas palavras neste cantinho e as pessoas que me leram, que bem me soube cruzar o meu caminho com o delas... Até as reticências que espalhei por aqui me fazem sorrir, os acesos debates, os 34 comentários...

E no mundo, tanta coisa me inquietou e quero escolher o que mais me impressionou. É difícil, tento lembrar-me... Na minha mente as minhas músicas preferidas, as minhas séries preferidas, o filme que mais gostei, o que vi acontecer.... Aqui fica o ano de 2006, revisto pela minha memória subjectiva e selectiva:

A música
“First impressions of the earth” – The Strokes
“Black holes and revelations” – Muse
“Meds” – Placebo

O livro
“Antídoto” – José Luís Peixoto

O poema
“Nada sabemos” - Amália Bautista
“To Helena” – Ruy Belo

O filme
“Children of Men” – Alfredo Cuáron

A série
“Lost”
“Six feet under”

Preocupante…
Darfur, Iraque, Líbano... perante a passividade da ONU
Um politico que não olha a meios para eliminar adversários políticos
Um ditador condenado à morte, enquanto outros conhecem a impunidade
Medo em saquinhos de plástico no aeroporto
Aquele que poderia ter uma voz activa a nível mundial, prefere a intolerância ao diálogo e ao apaziguamento

Por cá, não menos preocupante…
Um governo socialista de direita
Agrava-se o fosso entre ricos e pobres
Os mesmos de sempre pagam a crise enquanto a banca e as grandes empresas têm lucros extraordinários
Entre o desemprego e a precaridade, escolhe-se a emigração
O olhar triste daqueles que deixaram de acreditar que o próximo ano será melhor

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Feliz NATAL!!!

Para os meus excelentíssimos, infatigáveis, deslumbrantes, maravilhosos leitores e comentadores, os votos de um natal muito feliz!!!



Aqui fica o meu pequeno gesto:

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes

quarta-feira, dezembro 20, 2006

"It’s the season to be jolly, falala,la,la,la..."

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Será que o Natal é mesmo sinónimo de alegria? Salvo raras excepções, não vejo sorrisos nos rostos das pessoas. O Natal está de tal forma associado ao materialismo, que só vem lembrar-nos do que não temos e que socialmente deveríamos ter. A sociedade consumista associa a felicidade, a uma panóplia de bens que é suposto termos, independentemente do facto de necessitarmos deles ou não.

E o que acontece às pessoas que não têm essa panóplia de bens, não se sentem inferiorizadas, esmagadas por uma realidade que os ultrapassa? Neste sentido o Natal esta a incutir alegria ou complexo de inferioridade? E o que dizer das caras sorridentes das pessoas que esperam e desesperam nas intermináveis filas de transito, junto aos centros comerciais? Alegria estampada também, na cara das super-donas de casa que passam o fim-de-semana natalício a cozinhar para 20 e tal pessoas, metade das quais nem queriam lá em casa...

Até o próprio conceito de passar o natal em família, é doloroso para as pessoas que por qualquer motivo se encontram sós. O imperativo social do Natal em família, não é psicologicamente tormentoso para quem tem de enfrentar a solidão? Para estas pessoas, o Natal acaba por ser uma quadra muito infeliz.

Esta análise pode dar a entender que não há um resquício de espírito natalício em mim. Não é verdade, eu gosto do Natal, não gosto é do que a nossa sociedade fez ao Natal. Gosto de ver um sorriso na cara das pessoas, quando se sentem felizes e agradecidas porque se lembraram delas. Dar é bom, é gratificante. Quando esquecemos estes sorrisos e a oferta é só uma hipocrisia ou uma troca de favores, não é Natal.

Eu quero um Natal diferente, o Natal dos pequenos gestos que façam as pessoas felizes!!

terça-feira, dezembro 19, 2006

"Schoolyard Tree"

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Foto de Rodney Graham
Vancouver 2002

sábado, dezembro 16, 2006

Pessoas complexas...

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Stacy: Hey!

House: Hi.

Stacy [stands up]: I'm going to talk to Mark tonight. And I'm going to stay here with you. [smiles and looks nervous]

House: DOn't do it.

Stacy: This isn't funny Greg.

House: I know.

Stacy [smile fades]: You... spent all these months chasing me. Now I'm here and you start running? What the hell changed?

House: Nothing. Nothing changes. I'm not going to change.

Stacy: Who asked you to?

House: Mark is willing to do whatever it takes. I'm not. Never was.

Stacy: Oh, now you're introspective? WEren't so analytical the other night.

House: You were happy with Mark. You'll be happy again.

Stacy: Shut up about Mark. What the hell's wrong with you?

House: I can't make you happy!

Stacy: What?

House: How do you think this is gonna end? We'll be happy for what? A few weeks, few months. And then I'll say something insensitive, or I'll start ignoring you. And at first it'll be okay. It's just House being House. And then at some point, you will need something more. You'll need someone who can give you something I can't. [Stacy sighs.] You know I"m right. I've been there before.

Stacy: Oh. Oh. It doesn't have to be.

House: It does. It does. [they sigh] I dont' want to go there again. I'm sorry, Stacy. [He leaves, and she exhales forcefully]



[cut to roof, Wilson finds House there, sitting on the wall]

Wilson: What did you tell her?

House: I told her she's better off without me.

Wilson: Huh. That's probably true.

[House takes out Vicodin and pops a couple]

Wilson: You're an idiot. You don't think she'd be better off without you.

House: Right. I sent her off on a whim.

Wilson: You have no idea why you sent her off. [House climbs down off the wall]

House: Don't do this.

Wilson: This was no great sacrifice! You sent her away because you've got to be miserable.

House [turning on him]: That kind of psycho-crap help get your patients through the long nights? Or is it just for you? Tough love make you feel good? Helping people feel their pain?

Wilson: You don't like yourself. But you do admire yourself. It's all you've got, so you cling to it. You're so afraid if you change, you'll lose what makes you special. Being miserable doesn't make you better than anybody else, House. It just makes you miserable. [he leaves]

END

"House MD", season two, episódio 211.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Parece-me apropriado...

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Corrupt
You're corrupt
Bring corruption to all that you touch
Hold
You behold
And be
holden for all that you've done
And spin
Cast a spell
Cast a spell on the country you run
And risk
You will risk
You will risk all their lives and their souls

And burn
You will burn
You will burn in hell, yeah you'll burn in hell
You'll burn in hell
Yeah you'll burn in hell
For your sins



And our freedom's consuming itself
What we've become
It's contrary to what we want

Take a bow

Death
You bring death, and destruction to all that you touch
Pay
You must pay
You must pay for your crimes against the earth
Yeah hex
Feed the hex
Feed the hex on the country you love

Now beg
You will beg
You will beg for their lives and their souls

Now burn
You will burn
You will burn in hell, yeah you'll burn in hell
You'll burn in hell
Yeah you'll burn in hell
You'll burn in hell
Yeah you'll burn in hell
For your sins

Muse
"Take A Bow"
Album Black holes and revelations (2006)

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Humanidade, convicções e impunidade

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Chama-se “Children of Men” (“Os Filhos do homem”) de Alfonso Cuarón e mostra a debilidade da condição humana e das nossas convicções. A humanidade em 2027 debate-se com o problema da infertilidade e possível extinção, caindo num estado de total anarquia. É impressionante ver que as pessoas passeiam as suas vidinhas pacatas indiferentes às jaulas onde estão seres humanos como eles, só porque são emigrantes ilegais... e o grupo de activistas que luta contra esta situação, também acaba por abdicar das suas convicções.

Este filme explora a fraqueza da condição humana e a desculpabilização dos actos que hostilizam e excluem uma maioria, para que alguns eleitos mantenham os seus privilégios. A condição humana surge-nos em toda a sua complexidade. Todo o tipo de actos hediondos vão sendo cometidos e admitidos.

O filme é um excelente pretexto para discutir até que ponto o ser humano, abdica de toda a ética em situações extremas. A impunidade que vemos hoje em dia na nossa sociedade, assume em 2027 ainda maior protagonismo. Se hoje a nossa sociedade globalizada admite que se ganhem 342 milhões de euros com o tráfico de seres humanos, ou que 2% da população detenham 50% da riqueza mundial... será assim tão descabido que no futuro, milhares de emigrantes permaneçam enjaulados, perante a passividade daqueles que têm o privilegio de uma vida confortável?

E nós, o que faríamos? Escolhíamos uma vidinha confortável? Será que nos juntávamos ao grupo terrorista que reage à situação dos emigrantes, mas que compromete os seus próprios ideais, quando os fins justificam os meios? É muito cómodo e ingénuo, pensar que faríamos o que está certo... Parece-me que ninguém pode dizer com segurança, até que ponto se mantém fiel às suas convicções em situações limite. É uma questão que coloco a mim própria muitas vezes e sobre a qual só consigo especular.


«He who fights with monsters might take care lest he thereby become a monster. And if you gaze for long into an abyss, the abyss gazes also into you.»


Friedrich Nietzsche

domingo, dezembro 10, 2006

Esperança

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DEZ RÉIS DE ESPERANÇA

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, não bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.

António Gedeão

sexta-feira, dezembro 08, 2006

É o que se chama "integrar"...

Ricky Gervais

domingo, dezembro 03, 2006

Democracia, conhecimento e estupidificação

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«As ditaduras opõem-se ao progresso do conhecimento em geral e ao das ciências humanas em particular. Não há investigação, avanço no domínio científico sem discussão, troca de ideias, imaginação sem entraves, elaboração livre de modelos etc. o que supõe necessariamente liberdade de pensamento, de trabalho e de opinião –tudo o que a ditadura reprime por principio. (…)

Porque continua a haver um certo divorcio entre conhecimento e democracia e, mais especificamente entre, conhecimento da democracia e prática democrática. (…) Um diagnóstico sumário é bastante para pôr em evidência o divórcio parcial, ainda existente no nosso país, entre conhecimento e democracia:

A ausência de um espaço de transmissão horizontal e vertical de conhecimentos no campo social. Horizontalmente, traduz-se pela falta de canais de comunicação entre os membros de uma comunidade científica, por exemplo. Verticalmente pela falta de mediações entre camadas sociais que permitam que o conhecimento especializado seja filtrado, traduzido em termos simples («vulgarizado»), transmitido e sedimentado na cultura «geral» popular. Por várias razões, esse espaço não existe em Portugal.»

José Gil, "Portugal e o medo de existir", p. 36-38.

Será que 40 anos de ditadura se inscreveram de forma tão dura na mentalidade portuguesa, que ainda hoje não sabemos discutir, trocar ideias, pensar livremente. Por isso somos tão conformistas, nunca estamos bem, vamos andando e isso é o natural. Vamos aceitando o que nos impingem, não nos permitimos querer mais, querer alguma coisa diferente, melhor?

Estupidificamos? Não temos acesso ao conhecimento, porque não há um espaço de mediação, em que o conhecimento seja filtrado, isto é, que se torne acessível ao comum dos mortais. O que se passa é que existe uma camada social da população que está excluida socialmente à partida e que não reune as ferramentas cognitivas para lutar contra a estupidificação.

A mim pessoalmente preocupam-me estas vítimas de um processo de inclusão socio-cultural que nunca foi feito. Podemos questionar se existirá vontade política para encetar esse processo de inclusão... Até aí, continuaremos a estupidificar, mas não há problema, vamos andando…

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Dia Mundial da Luta contra a Sida

World AIDS Campaign PSA


A propósito de SIDA, este testemunho tocante e dramático, publicado hoje no DN:
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«Não sabe de quando data a infecção. Só sabe que quando há cinco anos mais os tais quatro meses estava de férias no Alentejo come-çou com febres altas que não passavam. Foi ao hospital, fizeram-lhe análises e mandaram-na tomar aspirina e consultar o médico de família. Resolveu antes "ir para a terra", a ver se a mudança de ares funcionava. "Encontrei lá um doutor amigo e ele examinou-me, apalpou-me debaixo dos braços e nas virilhas e escreveu uma carta à minha médica de família. Disse-me: 'Espero que não seja o que eu estou a pensar'."
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Era. "A médica disse que era preciso fazer análises a tudo e perguntou-me se não me importava de fazer as do HIV também. E acusou. Depois disse-me que ficou um fim-de-semana inteiro às voltas sem saber como me dizer. Quando finalmente me deu a notícia fiquei em choque. Até que ela disse: 'Está a olhar para mim e não diz nada?' Aí desatei num pranto."A seguir, mandou chamar o marido. "Só lhe disse: estragaste a tua vida e a da tua mulher. E ele: 'O que é que eu fiz? É impossível."
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O rosto de Ana segura-se na dureza para não derrapar. "Vê bem com quem andaste", respondi-lhe. Sabe que ele nunca me pediu perdão? Nunca directamente. Até negou, nos primeiros dias. Depois já não dizia que sim nem que não. Não aceita conversação sobre isso." Suspira. O seu grande anseio, confessa, é que o marido fosse franco com ela." Mas não consegue olhar para mim cara a cara.
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(...) "Ele foi infiel muitas vezes e eu sabia. Temos uma intuição, não é? Naqueles dias em que ele nem me deixava dar-lhe um beijo, rejeitava-me, percebia logo que se passava alguma coisa. E no início, depois de ter o meu primeiro filho, ele saiu de casa durante um mês. Tive um esgotamento nervoso, fiquei toda partida por dentro. Uma vizinha viu-me naquele estado e disse-me: 'Quando ele voltar, nunca lhe pergunte por onde ele andou. Dói muito, mas tem de ser'.
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"Tinha de ser? "Nunca pensei que fosse possível fazê-lo mudar, confrontá-lo. Entreguei-me menina a ele, com 19 anos. Nunca tive outro homem. Nem sei se queria ter tido, o amor por ele é muito grande." Ainda? "Ainda." E ele, ama-a? "A mim não me diz, nunca. Mas diz a outras pessoas que é a coisa que mais adora." Suspira, faz silêncio. "Às vezes acho que não, que está comigo porque precisa de mim."
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Um longo caminho a percorrer na luta contra a SIDA e um longo caminho a percorrer pelas mulheres na luta pelos seus direitos e pela sua dignidade...