Dia de Todos os Santos e Dia de Finados
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Nunca gostei de cemitérios. Sempre me pareceram lugares muito rectilíneos, monótonos, iguais. Uma sucessão de rectângulos brancos, mármore e mais mármore, como se a memória das pessoas que ali repousam fosse a mesma. Como se todas tivessem passado pela vida da mesma forma. As mesmas flores, o mesmo mármore, a mesma frase na lápide, como se a sua falta fosse sentida da mesma forma por todos.
Ainda que a morte possa ser o fim e que nada fique senão a memória, não deveria existir algo para além dos mármores brancos, rectilíneos, as mesmas jarras e as mesmas flores. Não podia ser de outra forma? Recordo os cemitérios-jardins norte-americanos. Não há mais nada senão relva e árvores, pequenas lápides dissimulam-se na paisagem. Dizem-me que é uma tentativa de ignorar a inevitabilidade da morte. Se calhar é, mas pelo menos não é branco, rectilíneo, simétrico, igual.
Eu não vou ao cemitério no dia 1 de Novembro. É como um ritual social completamente alheio ao verdadeiro significado da memória daqueles que perdemos. É um ritual conveniente. Como se nos outros dias, não tivéssemos de pensar naqueles que amamos e que partiram. Desculpa a indiferença perante a morte, que sentimos nos restantes 364 dias. Como se fosse desculpável, vivermos o nosso dia-a-dia apressado, indiferente às nossas perdas, desde que no dia 1 de Novembro nos lembremos delas.
Amanhã não vou ao cemitério, mas as minhas perdas estão comigo sempre. Não estão num lugar branco, rectilíneo, simétrico, igual. Não estão num lugar frio e distante que nada me diz, estão comigo e a sua memória surge quando eu menos espero, em vários momentos, em vários dias. Mais dias que 1 de Novembro...