quarta-feira, junho 09, 2010

A caminho do abismo

Em entrevista ao jornal Washington Post, o economista norte-americano James K. Galbraith critica a receita ortodoxa que recomenda o corte de gastos públicos como maneira de enfrentar a crise. Para ele, o que está a acontecer na Europa é desolador.

“A ideia de que as dificuldades de financiamento (do Estado) emanam dos défices públicos é um argumento apoiado numa metáfora muito potente, mas não nos factos, não na teoria e não na experiência quotidiana.”

“A receita que se sugere agora, de que é possível cortar o gasto público sem cortar a actividade económica, é completamente falaciosa. Isso está a ocorrer agora na Europa e é desolador. Exige-se que os gregos cortem 10% do gasto público em poucos anos. E supõe-se que isso não afectará o PIB. É evidente que vai afectar. E afectará de uma maneira tal que eles não terão os ingressos fiscais necessários para financiar sequer um nível mais baixo de gasto público. E estão a obrigar a Espanha a fazer o mesmo. A zona do euro caminha para o abismo.”

(...) deveríamos concentrar-nos nos problemas reais e não nos fictícios. Temos problemas graves. O desemprego está em 10%. Muito melhor seria se nos dispuséssemos à tarefa de desenvolver políticas de emprego. E podemos fazê-lo, imediatamente. Temos uma crise energética e uma crise climática urgentes. Deveríamos dedicar-nos durante toda uma geração a enfrentar esses problemas de um modo que nos permita reconstruir paulatinamente o nosso país. Do ponto de vista fiscal, o que há a fazer é inverter a carga tributária, que actualmente é sustentada pelos trabalhadores. Desde o começo da crise que eu venho defendendo uma isenção fiscal temporária dos salários, de modo a que todos tenham um aumento dos seus rendimentos líquidos e possam abater as suas hipotecas, o que seria uma coisa boa. Também há que encorajar os ricos a reciclar o seu dinheiro, e por isso estou a favor de um imposto sobre os bens imóveis, um imposto que tradicionalmente tem beneficiado enormemente as nossas maiores universidades e organizações filantrópicas sem fins lucrativos. Essa é uma diferença entre nós e a Europa.

(...) Mas eu ainda tenho mais uma resposta! Desde 1970, com que frequência o governo deixou de incorrer em défice? Em seis curtos períodos, todos seguidos de recessão. Porquê? Porque o governo necessita do défice; é a única maneira de injectar recursos financeiros na economia. Se não se incorre em défice, o que se faz é esvaziar os bolsos do sector privado. No mês passado, estive num congresso em Cambridge em que o director executivo do FMI disse ser contrário aos défices e partidário do aperto fiscal: mas ambas são a mesma coisa! O défice público significa mais dinheiro nos bolsos privados.

James K. Galbraith é professor de economia na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, da Universidade do Texas, em Austin.


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