domingo, maio 31, 2009

A culpa é dos Partidos?

Na sequência do post anterior, no que diz respeito à parte em que Morin alertava para a necessidade de combater as desigualdades, foi comentado que a existência de máquinas partidárias acabava por fomentar o elitismo e as referidas desigualdades. E de facto, temos assistido nas últimas décadas a uma escandalosa promiscuidade entre detentores de altos cargos públicos e privados e os partidos que dominam os governos. Como se não fosse a competência o factor determinante para exercer determinado cargo, mas sim o cartão partidário que esta no bolso de individuo. Sendo que esta lógica alastra desde o individuo que é Presidente do Banco de Portugal ou da Galp ao que gere o Centro de Emprego local ou a Direcção da escola A, B ou C.

Logicamente esta orientação subverte toda a lógica democrática, porque ao ingressar num determinado partido, o individuo está a pensar em si próprio, na cunha que irá obter, na carreira que irá alcançar e nunca no bem comum ou na forma como poderá contribuir para melhorar a democracia.

A minha questão é: será que o mal está na organização partidária ou na própria mentalidade individual? À partida não parece ser anti-democrática, a ideia de alguém aderir ao partido y ou z, porque existem causas comuns ou algum sentimento de pertença a uma determinada ideologia política. Mas quando a mentalidade que impera, não é esta, mas sim a do ganho individual e a da militância como caminho para uma determinada carreira profissional, a ideologia é completamente secundária, assim como a ideia de cidadania ou de bem comum. E aqui, a culpa é da organização partidária ou dos indivíduos que pervertem essa lógica? O caciquismo é parte integrante da mentalidade nacional, desde quando mesmo? E se pensarmos nas democracias nórdicas que funcionam com partidos também, o problema é a mentalidade ou a organização partidária?

11 comentários:

sabine disse...

Eu diria que a culpa é da forma como os partidos estão organizados. Mas não só disso: da forma como a sociedade se vem a organizar.

SABINE

Anónimo disse...

Hopes: as maquinas partidárias fomentam as desigualdades no (1) sentido em que se transformaram em instrumentos de promoção de pessoas sem qualidade para ocupar os cargos e (2) no sentido em que vivem apenas para o dia a dia da pequena governação política, sem qualquer ideia de pensamento a longo prazo.

Isso torna um Estado muito difícil de governar com políticas baseadas no interesse nacional e na estabilidade de objectivos de longo prazo.

Depois existem várias hipóteses.
a) ou se cria um sistema democrático,mas que afaste os actuais ou futuros partidos deste tipo de governação
b) Ou se altera a forma como as pessoas acedem á carreira política
c) Ou se muda a forma de regime que temos para retirar algum do poder aos partidos
d) Ou se criam cargos públicos que excluam a necessidade dos funcionários responsáveis por certas áreas permitirem a interferência de políticos partidários
e) Ou se muda toda a estrutura autárquica e administrativa.

E concerteza existirão mais umas quantas hipóteses a este nível.


Quanto à questão da mentalidade penso que ela decorre da forma como o sistema e os partidos estão organizados e uma coisa potencia a outra.
A um ponto tal que por vezes nem sabemos quem é que alimenta quem; se a mentalidade caciquista alimenta os partidos, se os partidos alimentam a mentalidade caciquista...

Hopes disse...

Sim, Sabine os partidos organizam-se de forma a "premiar" os seus militantes. Da mesma forma a sociedade também premeia quem é influente e bajulador.

Dissidente também me parece que esse seja o problema, promovem-se "pessoas sem qualidade para ocupar os cargos". Das alternativas que propões acho que era fundamental dissociar os cargos públicos das questões partidárias, porque o essencial da administração pública implica competência profissional e não política.

E já agora, pergunto aos dois:
Em relação ao caciquismo é um problema nosso ou é internacional?
E podemos colocar todos os partidos nesta concepção de igual forma?

Anónimo disse...

Hopes:

em relação ao caciquismo penso (ainda) que é um problema mais acentuado em Portugal do que em outros lugares.

Tem a ver com uma certa tradição histórica de organização da sociedade começada e aperfeiçoada no século 19.(aquilo que tu conheces do partido regenerador/partido progressista do século 19 em que "rodavam" no poder).

Na minha opinião podemos actualmente embora com complexidades diferentes, e aspectos diferentes até porque não estamos no século 19,considerar que os actuais 5 partidos portugueses tem alguns aspectos de "rotação" que os dois do século 19 tinham.

Em graus diferentes consoante os partidos actuais(nota-se mais no PS/PSD do que nos outros)a rotação e o caciquismo, mas foi para isso que a Terceira República(a actual) degenerou.
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O grande problema é que penso que internacionalmente o "caciquismo" está a aumentar e aproximar-se dos níveis de cá.

Se tínhamos esperança que pelo contacto com civilizações mais desenvolvidas isso nos levaria a fugir desta lógica de caciquismo cá existente; começa a ser difícil fugir a uma lógica que começa a ser a mesma por todo o lado.

É também isso - esse acumulado - que está a começar a "partir" o sistema político português.

As tensões são tais e os problemas desta forma de vida tantos, que isto começa a tornar-se perfeitamente ingovernável.

E uma situação "ingovernável" gera mais situações "ingovernáveis".

É isso que penso também explicar as cada vez maiores dificuldades de qualquer governo eleito em conseguir governar sem causar logo protestos e desagrado.

Porque as pessoas sentem que este sistema político não é justo.E não funciona.

Pedro Fontela disse...

Hopes,

Fazendo eco daquilo que escrevi no post anterior não me parece que a mentalidade seja algo separado das estruturas de poder… o problema está em que as actuais estruturas não são reformáveis. Estão de tal forma engrenadas num esquema disfuncional que simplesmente devem ser postas de lado – noutros países com outra tradição e outras estruturas acredito que houvesse uma possibilidade intermédia mas chegados a este estado de coisas não acredito que tal seja possível.

Eu vejo a necessidade de criar duas características que o sistema partidário actual não é capaz de nos fornecer: estabilidade estratégica e personalização (no sentido de ter pessoas e não “órgãos” anónimos encarregues das coisas). Tendo isto em mente há vários caminhos possíveis para se atingir tal resultado mas nenhum deles parece passar pelos partidos políticos.

Anónimo disse...

A democracia parlamentar é um sistema de governo como outro qualquer. Não existe nenhum finalismo nem nenhuma vitória difinitiva sobre qualquer outro.
A questão é sempre a mesma...os orgãos representativos...servem quem e de de forma? O sistema partidário português é uma construção política que data do 25 de Abril e tem tido uma evolução mais ou menos consensual entre os dois partidos do bloco central onde normalmente votam 70% dos votos expressos.

Não vejo por isso qualquer alternativa viável a não ser pelo esvaziamento dessa maioria silenciosa que se queixa mas que tem medo de qualquer ruptura. Os apenos ao voto branco são ridículos porque não existem condições para expressar essses votos no sistema actual...
A assim..sem uma verdadeira sapatada..como já aconteceu com o governo Guterres nas autárquicas em que perdeu o controle político das maiores Câmaras do País não vai haver mudança nenhuma...
Mas entre Deus e o Diabo...não existem mais opções possíveis...
Vamos esperar pela decisão do eleitorado...e não puxar a carroça para à frente dos bois. Mas concordo com todos sobre o mau estar e da necessidade de começar a pensar noutras soluções e apontar novos caminhos...

E uma excelente razão para não votar mais no PS!

Pedro Fontela disse...

Fokas,

Sem dúvida que mudanças radicais não devem estar para breve (no sentido de para a semana a III República ter caído) mas para lá caminhamos mais ou menos de forma alegre sem grande consciência.

No imediato eu já tomei pessoalmente posição face a tudo isto, recuso-me a votar num sistema destes (seja PS seja quem for… não reconheço mais talento aos outros), estamos numa situação que borda o obsceno e não quero jamais ter na consciência que colaborei com tudo isto.

sabine disse...

Hopes, a minha ideia, tal como a do Dissidente, é que a corrupção está a aumentar a nível internacional, mesmo nos países mais desenvolvidos.

sabine disse...

Não tenho dúvidas em relação à importância das estruturas de poder, que o Pedro Fontela destaca mas ainda tenho em relação à sua aplicação. Criar leis para pessoas não para funções, é disso que se trata?

Pedro Fontela disse...

Sabine,

Em parte é isso mesmo! Responsabilizar sempre alguém por aquilo que é feito - obviamente que isto implica que tem que ser dada mais latitude de acção às pessoas que vão ocupando os cargos. Essencialmente reduzir de forma significativa a dispersão de poder sem retirar a necessidade de prestar contas a um orgão eleito (que na minha opinião devia ser o parlamento, com deputados eleitos localmente sem qualquer orgão partidário ou alinhamento).

Hopes disse...

Acho que todos concordamos que a forma como os partidos estão organizados e as próprias estruturas de poder, só têm minado a nossa democracia. Precisamente pelo intricado sistema de movimentação de influencias que se instalou. E quanto mais perto do poder estão os partidos, mais grave é a situação, o que também pode demonstrar que o problema pode ser do "Centrão" e não necessariamente dos pequenos partidos.

E sinceramente, continuo a não ver mal, em que as pessoas se organizem colectivamente em torno de causas e ideologias. Quem nos garante que um individuo apartidário não caí na mesma lógica de caciquismo que um partido? Ele terá necessariamente uma equipa de trabalho, acaba por mover influências... Isto para dizer que a questão é complexa e os partidos não serão os unicos podres do sistema...

O Pedro disse que votar é uma forma de pactuar com o que está errado no sistema. Com isso eu não concordo, mas dizer o que penso da abstenção dá um post mesmo... Fica agendado!