Poça de água
.
Recordo bem este medo da infância.
Evitava as poças,
sobretudo as novas, após a chuva.
Afinal, uma delas poderia não ter fundo,
ainda que parecesse igual às outras.
Ponho o pé e, de súbito, afundar-me-ei,
voando para baixo
cada vez mais para baixo,
rumo às nuvens reflectidas
ou talvez mais além.
Depois a poça secar-se-á,
fechar-se-á por cima de mim,
e eu ali, presa para sempre,
com um grito que nunca chega à superfície.
Só mais tarde compreendi que
nem todas as más aventuras
cabem nas regras do mundo
e mesmo que o quisessem,
não poderiam acontecer.
WISLAWA SZYMBORSKA
In “Alguns gostam de poesia: antologia” p. 235.
Sem comentários:
Enviar um comentário