segunda-feira, novembro 13, 2006

"Doença de Crunch"

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Mais uma daquelas conversas mirabolantes, escutada sem querer num transporte público. Dois rapazinhos com idades entre os 10 e os 11 anos, trocam experiências dolorosas de doenças gravíssimas que já padeceram apesar da tenra idade. E notem, tratam-se de crianças num autocarro e não de senhoras reformadas na sala de espera do centro de saúde.

Um dos meninos queixa-se que uma vez levou um murro no pâncreas, e teve que ir para o hospital e teve de ser operado, mas ainda teve de ficar lá duas semanas para os médicos confirmarem se o pâncreas estava efectivamente curado. Um aparte, neste momento, eu pensei, a sorte do miúdo esta estadia no hospital ter sido pré-Correia de Campos, senão a história do pâncreas ia sair cara....

Mas adiante, que o outro rapazinho também tem uma história patológica para contar:

«Já ouviste falar na doença de Crunch? Eu tenho isso, uma das minhas pernas tem 1.8 cm a menos que a outra, mas o meu caso não é grave. Eu sei de uma menina que a perna tinha 2.8 cm a menos e ela teve de ser operada. E esticaram-lhe os ossos, só que depois ela ia andar e aquilo partiu-se tudo e ela ficou com uma perna 10 cm mais pequena que a outra».

O drama e o horror na cara do rapazinho nº1, que ele tal como eu nunca ouviu falar na doença de Crunch, doença essa que transformava o internamento por murro no pâncreas numa maleita banal e inconsequente. Já para o Correia de Campos, a perspectiva de centenas de crianças padecendo da doença de Crunch, por esse país fora a pagar taxas de internamento, deve ser uma visão agradável.

Nesta altura passou-me pela cabeça, que o rapazinho nº2, sentisse já o grave sindroma do portuga adulto “a minha doença é sempre mais grave que a tua” e como lhe falta o vocabulário médico, achou por bem, baptizar a doença com o nome do seu chocolate preferido... Mas tanta patranha inconsequente da boca de um rapazinho de 10 anos? Eu que pensava que os temas favoritos dos meninos desta idade fossem playstation e playstation...

O meu comentário:

Ainda tentei formular uma explicação psico-sociológica para este fenómeno, mas sem resultados. Tentei lembrar-me de mim naquela idade e dos meus amigos e não me recordo de alguém ter sentido necessidade de inventar doenças, para impressionar o outro. Lembro-me que inventávamos, mentíamos, usávamos a imaginação para improvisar brinquedos e brincadeiras onde eles não estavam. E quando mentíamos, e inventávamos longas historias que nada tinham de verdade, eram os nossos sonhos, os heróis, os polícias, os detectives, os ladrões, os príncipes e as princesas...
Não era certamente a doença de Crunch... É só de mim ou isto é tudo muito estranho?


7 comentários:

Anónimo disse...

Por acaso havia uma menina nos Escuteiros que acreditava ter febre aftosa. Mas é normal os meninos impressionarem.se uns aos outros com coisas más feias e nojentas. Tu não te lembras porque és uma menina.

Anónimo disse...

E incrivel como as criancas de hoje em dia querem ser adultos antes do tempo. Pobrezinhos, nao sabem o bem que tem em terem a idade que tem. Mas prontos, la temos de dar 1 ponto ao menino pela forte imaginacao, ao dar um novo nome a doenca.

cãorafeiro disse...

não é nada estranho.

nos EUA são conhecidos casos de pessoas que inventam que foram abusadas sexualmente em crianças, não tendo de facto sido, e depois interiorizam essa mentira porque o culto da vitimização é tão forte que não somos nada se não tivermos sido vítimas de alguma coisa.

há pessoas presas por terem sido acusadas de abusos sexuais que não cometeram. por exemplos pais cujos filhos inventaram tais mentiras, e as contaram a aguém na escola, não tendo depois tido a coragem de repor a verdade.

há o caso de uma francesa filha de um português. aos 13 anos ela insinuou junto de amigas na escola que o pai teria um dado comportamento com ela.
aos 20 escreveu um livro a confessar quue não era verdade e a contar como a lógica perversa da vitimização a levou a uma situação tal que não teve a coragem de repor a verdade.

o pai passou 7 anos na cadeia e só foi libertado porque a filha confessou a verdade.

cãorafeiro disse...

hopes, deixei um comentário para ti no armadilha...

Macambúzia Jubilosa disse...

Há inclusivamente um disturbio psicologico cujo nome não recordo, em que as pessoas inventam doenças só para poderem serem internadas e cuidarem delas...há quem cometa inclusive auto-mutilações, ou se auto-mediquem erradamente, para esse efeito...

É como se as constantes atenções e os cuidados que recebem quando têm a saúde afectada a levem a habituar-se a esse conforto e atenções e a alimentar desse tipo de situações.

serão chamadas de atenção? o não conseguir encontrar outros motivos, senão estes, para se sentir especial? um profundo egocentrismo? culpa? baixa auto-estima?

pois...não sei

sei apenas que a mente humana é complexa e consegue ser muito estranha...

Macambúzia Jubilosa disse...

dizer ainda que, obviamente, estes casos são uma minoria, que, por estes não devem pagar todos e que as taxas de internamento são, a meu ver, um dos maiores, entre muitos outros, atentados efectuados contra todos os cidadãos, cometidos por este governo...

Hopes disse...

Obrigado a todos pelos excelentes comentários.

Cão,
Eu também ouvi falar na história dessa menina, agora adulta, que admitiu ter incriminado o pai falsamente. E apesar da mente humana ser muito complexa, parece-me que há nestas crianças o desejo inconsciente de reproduzir valores que reconhecem nos adultos: a vitimização, a hipocondria...

MJ,
Bem regressada à nobre actividade do comentário de posts, espero não ter tido nada a ver com o assunto. ;) Não queria que te sentisses obrigada a vir aqui comentar...
Concordo com o que disseste, mas atenção que quando eu falei nas taxas moderadoras era a ironizar ridiculamente... Eu não só não concordo com elas, como acho que se trata de uma medida escandalosamente injusta!