A Grandeza dos Portugueses?
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Por várias vezes, estive prestes a pronunciar-me sobre o concurso “Grandes Portugueses” e não o fiz, porque discordo profundamente com os princípios fundamentais do programa. Parte-se do princípio que se podem comparar personalidades de épocas históricas e mentalidades tão diferentes. Parte-se do princípio que há domínios do saber melhores que outros, ou qualidades melhores que outras. Parte-se do princípio que existem Super-heróis e não seres humanos, com qualidades e defeitos, inseridos num determinado contexto histórico.
Na minha opinião, não é intelectualmente honesto. A isto acresce, o associar uma personalidade actual à personagem histórica, o que acarreta simpatias e antipatias e deturpa ainda mais a visão da realidade. Por isso não votei, não assisti ao debate e limitei-me a ver alguns documentários. Mas não pude deixar de assistir aos resultados da votação. Quem é afinal o Grande Português?
Os portugueses que participaram na votação do concurso da RTP elegeram Salazar como vencedor. Confesso que não fico surpreendida. Parece-me o resultado de anos de maus governos, de políticas incompetentes e de elites políticas que descredibilizaram a própria democracia. A reacção é um voto de protesto, contra a forma como se tem vindo a fazer política. Os portugueses que votaram, são os portugueses que se debatem com a pobreza, o desemprego, a inflação, o agravamento das desigualdades sociais, a precaridade, a insegurança. Só a vivência dramática diária com estes problemas, pode explicar que os portugueses se tenham esquecido dos assassinatos, das torturas, das prisões políticas, da censura, da humilhação das mulheres, da pobreza extrema, do analfabetismo e da baixa escolaridade que o Salazarismo lhes trouxe. É um sinal de alarme que os nossos políticos deviam saber interpretar.
O que eu lamento, enquanto defensora da democracia é que os portugueses prefiram olhar para o passado, em vez de olharem para o futuro. Tenho pena que se admire um regime autoritário e fascista e não se olhe para os resultados das democracias nórdicas, por exemplo. É triste que peçam uma ditadura, em vez de exigirem uma democracia melhor, mais solidária, que fomente a igualdade social e o bem-estar. Enfim, um regime político que fomente a felicidade de todos e não só de alguns.
Grandeza seria exigir mais e melhor democracia.
P.S. Um aspecto positivo a sublinhar, o 3º lugar de Aristides de Sousa Mendes, os portugueses valorizam o humanismo, a capacidade de defender o que está certo, mesmo quando isso significa o prejuízo do próprio. Aí reside a grandeza e quem sabe a esperança…
3 comentários:
«Os portugueses que votaram, são os portugueses que se debatem com a pobreza, o desemprego, a inflação, o agravamento das desigualdades sociais, a precariedade, a insegurança.»
Não acredito nada nisto... Para mim o problema é mais simples: Programa medíocre, pessoas-votantes medíocres, resultado: medíocre. Acredito que uma pequena parte tenha votado em protesto.
O Zé Diogo Quintela no "Gato Fedorento" desta semana, brincando com o programa As Belas e os Mestres diz algo como: «Vocês acham que se eu fosse mesmo inteligente entraria num concurso da TVI?». Vocês acham que quem votou militantemente em Salazar num programa medíocre é mesmo inteligente?
ASENSIO
Que o programa é medíocre, eu até concordo, mas já não sei se, se pode passar um atestado de falta de inteligência a quem participou na votação... Isso é escamotear um problema grave de descrédito da democracia.
E para esse descrédito, para além da incompetência dos governos, contribuem problemas sociais graves. E não é por serem medíocres que as pessoas deixam de sentir isso... E também, não é por serem medíocres que devemos ignorá-las ou não ter em conta as suas preocupações...
E já agora, porque é que existe uma correlação entre mediocridade/falta de inteligência e a participação neste programa? Parece-me uma conclusão precipitada. 2 mil pessoas exclusivamente medíocres?
2 mil? Não. Os votantes foram mais de 200 mil. Mas escamotear (palavra tão gira) o quê? Os resultados do programa não podem, de maneira nenhuma, ser transpostos para população portuguesa. E não é porque me recuse a acreditar que 40% dos portugueses sonham, saudosistas, por um Salazar, mas porque a amostra não é representativa da população e a participação é voluntária. Houve militância na votação o que, estatisticamente falando, inquina a amostra.
Não há correlação entre resultados e a população e é precisamente isso que digo. Nem mesmo a correlação que referes com os desempregados, pobre, inflações e desigualdades... As escolhas dos "portugueses" já elegeram Zé Maria, Telmo Para-quedista, José Castelo Branco e agora Salazar. Que correlação existe nestes resultados e os portugueses? Nenhum.
Há descrédito sim, há pobreza há, há problemas sociais, incompetência de governos e tudo o que dizes. O que não há é um programa cujos resultados sejam a evidência irrefutável desses problemas. Não se pode escamotear o resultado, como não se pode esquecer os suspiros "era preciso um Salazar em cada esquina", mas tudo no seu devido lugar...
ASENSIO
p.s. - e mediocridade não é falta de inteligência.
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