terça-feira, outubro 31, 2006

Dia de Todos os Santos e Dia de Finados

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Nunca gostei de cemitérios. Sempre me pareceram lugares muito rectilíneos, monótonos, iguais. Uma sucessão de rectângulos brancos, mármore e mais mármore, como se a memória das pessoas que ali repousam fosse a mesma. Como se todas tivessem passado pela vida da mesma forma. As mesmas flores, o mesmo mármore, a mesma frase na lápide, como se a sua falta fosse sentida da mesma forma por todos.

Ainda que a morte possa ser o fim e que nada fique senão a memória, não deveria existir algo para além dos mármores brancos, rectilíneos, as mesmas jarras e as mesmas flores. Não podia ser de outra forma? Recordo os cemitérios-jardins norte-americanos. Não há mais nada senão relva e árvores, pequenas lápides dissimulam-se na paisagem. Dizem-me que é uma tentativa de ignorar a inevitabilidade da morte. Se calhar é, mas pelo menos não é branco, rectilíneo, simétrico, igual.

Eu não vou ao cemitério no dia 1 de Novembro. É como um ritual social completamente alheio ao verdadeiro significado da memória daqueles que perdemos. É um ritual conveniente. Como se nos outros dias, não tivéssemos de pensar naqueles que amamos e que partiram. Desculpa a indiferença perante a morte, que sentimos nos restantes 364 dias. Como se fosse desculpável, vivermos o nosso dia-a-dia apressado, indiferente às nossas perdas, desde que no dia 1 de Novembro nos lembremos delas.

Amanhã não vou ao cemitério, mas as minhas perdas estão comigo sempre. Não estão num lugar branco, rectilíneo, simétrico, igual. Não estão num lugar frio e distante que nada me diz, estão comigo e a sua memória surge quando eu menos espero, em vários momentos, em vários dias. Mais dias que 1 de Novembro...

4 comentários:

Anónimo disse...

Já somos dois :)) Na minha agenda, ir ao cemitério, está só no dia em que bater a bota :). de resto, tenho mais que fazer...:)

cãorafeiro disse...

o dia de finados é amanhã, dia 2.

hoje é dia de todos os santos.

simplesmente, as pessoas aproveitam o feriado para fazer o que não podem fazer no dia seguinte.
eu gosto do 1 de novembro, porque em criança ia ao pão por deus...

max, 100% de acordo. cemitérios, só nos funerais de familiares directos. infelizmente, aí não há como escapar, porque cabe aos vivos tratar dos restos mortais dos seus entes queridos.

aliás, já instruí a minha família para o facto de que me recuso a ser velada depois da minha morte.

Hopes disse...

Cão,

Tens toda a razão, já rectifiquei o título do post.
Também me lembro de em criança ir ao pão por Deus, embora na minha zona tenha outro nome. Batiamos às portas e diziamos: «Bolinhos, bolinhos, à porta dos Santinhos».

Max,
Eu gosto tanto de cemitérios que eu queria que me enterrassem no meu quintal debaixo de uma arvore que gosto muito... Mas há um problemazinho de saude publica... De qualquer forma, é sempre engraçado ver a cara de perplexidade das pessoas, quando digo isto... lol

AM disse...

Caros amigos

Comungo da vossa aversão a estas (também macabras ou apenas hipócritas?) tradições.

No entanto, por razões de trabalho (da minha mulher), tive que velar o sono da minha filhota (dentro do carro) à porta de uma igreja e ao lado de um cemitério, junto a um macho ajaezado (sem ser à andaluza) que aguardava o dono, numa freguesia do alto douro.

Tive assim ocasião de observar todo o movimento popular que, afinal, poucas diferenças apresenta da rotineira ida ao centro comercial, isto mesmo no tal Portugal profundo…

“O pão por deus”, tantas vezes ouço a minha mulher referir essa tradição…

Coisas aí do sul, claro…

AM