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[Aviso prévio: Ao que parece ao longo desta semana, o meu espírito de síntese foi-se e adquiri o estranho hábito de colocar citações a fundamentar o que digo, logo este post está enorme e não me apetece cortar partes. Podem saltar as citações, se forem assim pró-preguiçoso…se saltarem o post todo, eu também percebo]
Agora que já tenho tempo suficiente para o blog, o que se me apraz fazer é falar do homem que deixou a Assembleia da ONU a rir. Temas e personalidades mais interessantes haveria, mas este senhor é o único carinhosamente chamado de “Clown President” na imprensa norte-americana. É o senhor que canta em programas de televisão, aliás tem um programa só para ele, em que troca impressões via satélite com Fidel Castro e outros presidentes sul-americanos
(ver o inicio deste artigo)Exuberância, show mediático, enfim… olha-se para ele e a palavra POPULISMO, ocorre imediatamente. Eu não gosto do estilo, nem com livro de Noam Chomsky na mão, mas o povo venezuelano pelos vistos gosta. Vamos dar-lhe o benefício da dúvida (pausa para reparem na minha capacidade de autoquestionamento). Porquê a adesão popular? Porque é que quando se fala de Hugo Chávez, este é por muitos associado ao socialismo para o séc. XXI?
Será que é pelo discurso contra a hegemonia americana, proclamando o multilateralismo e a defesa da anti-globalização? E a nível interno? Há uma política de incentivo à participação cívica local, tratam-se de medidas para fomentar a desburocratização pela criação dos “conselhos comunais”. Desculpem a longa citação, mas é para ajudar a perceber as medidas a que me refiro:
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“O povo organizado deve fazer parte do novo Estado, participativo, social, de tal forma que este velho Estado paralisado, burocrático, ineficaz, seja totalmente derrubado”, explicava Chávez em 2004. Na época, ele evocava, principalmente, as “missões”, esses programas administrados pela “comunidade”, que ladeavam o “velho Estado” para atender à urgência social. A recente criação dos “conselhos comunais” [6], em 10 de abril de 2006, representa uma nova etapa importante rumo à construção deste “novo Estado” e das formas de governo local nas quais ele repousará.
“As pessoas começam fazendo um “croqui social” da comunidade: as casas, os habitantes, as rendas, mas também os problemas de infra-estrutura, os problemas sociais, etc.”. Esse trabalho permite elaborar, em conjunto, o “diagnóstico participativo” e estabelecer prioridades: abastecimento de água, evacuação dos esgotos, criação de um centro de tratamento, etc.
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Tem como inimigos a administração Bush e a chamada “sociedade civil venezuelana” ou «société civile, en gommant cyniquement la majorité, les quatre protagonistes - Fedecámaras, CTV, Eglise, classes moyennes -, auxquels se joignent les médias, reconvertis en parti politique, cherchent à créer artificiellement une situation d’ingouvernabilité». Convenhamos que se esta malta não gosta dele, isso só abona a seu favor.... E finalmente, parece que nacionalizou a industria petrolífera - Petroleós de Venezuela SA (PDVSA), o que chateou bastante os lobbies economicos lá do sítio...
Mas existem aspectos que na minha opinião, afastam Chávez do que seria desejável para o socialismo do século XXI. Refiro-me ao populismo e mediatismo, já falei do show televisivo, mas ao acima referido devo acrescentar a sua estratégia eleitoral. Reparem como se associa uma crença popular tradicional (a batalha de Santa Inês) à necessidade de votar Chávez:
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Às três horas da manhã, como sugeriram os dirigentes da campanha a favor do chefe do Estado, ecoa pelas muitas colinas ocupadas por favelas uma melodia tocada por clarim, “Diana”. Foguetes ecoam por todo lado, provocando um alarido formidável ao qual se misturam os gritos de “Uh! Ah! Chávez no se va!”, os latidos dos cachorros e outros ruídos dos barrios1 .A ofensiva final da “Batalha de Santa Inês ” está lançada.
Outro factor pouco abonatório: o último grande amigo de Chávez é Mahmoud Ahmadinejad!!
Le Venezuela et l'Iran ont annoncé le renforcement de leurs liens économiques et stratégiques lors de la visite du président iranien, Mahmoud Ahmadinejad, à Caracas, dimanche 17 septembre.
"Last but not least", o conceito de diplomacia do líder venezuelo, parece ser com petróleo se compra um lugar no conselho de segurança da ONU:
«A diplomacia pessoal de Hugo Chávez, que sempre leva no bolso seu talão de cheques petroleiro, vem obtendo resultados positivos. Desde já, o presidente venezuelano garantiu para o seu país o apoio de dois membros permanentes do Conselho de Segurança, a China e a Rússia. Caracas comprometeu-se a vender 500.000 barris de petróleo por dia ao gigante chinês daqui a 2010 (contra 150.000 barris atualmente). Por sua vez, Pequim prometeu investir cerca de US$ 5 bilhões (R$ 10,79 bilhões) no setor petroleiro venezuelano.
Na Síria, Chávez anunciou a construção iminente de uma refinaria de uma capacidade de 200.000 barris por dia. Um acordo energético também foi assinado com Luanda, "que permitirá à Angola de se liberar da dominação das companhias petroleiras ocidentais", precisou o governo venezuelano. No decorrer dos últimos 15 meses, Caracas estabeleceu relações diplomáticas com onze países africanos.»
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Não me parece uma estratégia diplomática, que eu queira ver no socialismo para o século XXI... Eu sei que disse "last", e apesar de não ter a ver com socialismo, não deixa de ser curioso que numa conferência de imprensa, o líder venezuelano tenha lamentado a morte de Noam Chomsky. Mas ao que parece, Chomsky não faleceu. Antes de citar um autor e dá-lo como morto, certifique-se que ele morreu efectivamente!! Assim o pessoal até fica a pensar que Hugo Chávez não leu o livro... **
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Em suma, não é este socialismo que eu quero para o séc. XXI... Mas também não posso terminar o post, sem falar da eventual presença da Venezuela no Conselho de Segurança da ONU.
Mais que tecer juízos de valor, apetece-me perguntar, como irão pesar os aspectos acima referidos, na altura de escolher um representante para o Conselho de segurança da ONU? Será que os dirigentes que não partilham nem as convicções revolucionárias de Hugo Chávez, nem o seu discurso bélico votarão nele, de modo a estabelecer um contrapeso em relação à potência americana no Conselho de Segurança? A verdade é que ao seu estilo provocador e mediático, Chávez vai dizendo o que muitos líderes mundiais pensam, mas têm medo de dizer…
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** Depois do post ter sido escrito e publicado, o leitor deuscronio chamou-me a atenção para a gravação da conferência de imprensa de Chávez, em que se pode ouvir, que Chávez não se referia à morte de Chomsky, mas a outro autor norte-americano. Peço desculpa pelo lapso, mas o que é certo, é que quer o New York Times, quer o Le Monde noticiam a gaffe de Chávez.