segunda-feira, abril 26, 2010

Abril?

As minhas ausências têm sido frequentes, porque neste momento, acredito muito pouco que escrever um post tenha qualquer consequência. Passados 36 anos da revolução de Abril, os valores da justiça, da igualdade, da fraternidade parecem ter caído por terra, perante a resignação aparente dos cidadãos. 36 anos depois parece que a revolução foi feita para que uma elite económica receba benefícios e privilégios, enquanto a maioria da população vive angustiada entre o desemprego e um trabalho precário. O governo, cujo compromisso democrático seria zelar pelos interesses dessa maioria, não só não o faz como favorece os que já estão favorecidos.

Dir-me-ão que nada disto é novo. A novidade está na dimensão que atingiu. Nunca vimos tão escandalosas diferenças salariais, os prémios dos gestores públicos, nomeações sem concurso, cortes nas prestações sociais, sobretudo no apoio no desemprego, congelamento de salários (até em situações de empresas que estão a dar lucro e que premeiam os seus directores principescamente), o mercado dos combustíveis em descontrolo com subidas de preço que ameaçam o resto da economia. Sucedem-se os casos de corrupção, que o sistema de justiça não só não castiga como absolve, passando a mensagem que efectivamente compensa. Enfim, a lista infindável e faz com que não se possa falar de igualdade e fraternidade e muito menos de justiça, no país que fez o 25 de Abril.

A questão que se coloca é se as pessoas estão dispostas a voltar a debater-se por estes valores. Até que ponto percebem que existem outras políticas, existem alternativas, vão exigir uma mudança ou não? Ontem assisti a um espectáculo de homenagem a Zeca Afonso, em que um dos artistas tentou incentivar o publico a gritar «A revolução somos nós», o silêncio foi esmagador. O povo que fez o 25 de Abril resignou-se...

sábado, abril 17, 2010

A que Estado queremos chegar?

Um artigo fundamental de Sandra Monteiro, a ler no Le Monde:

«E vamos comemorar o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social numa Europa que se recusa a olhar para as conexões sistémicas entre as vantagens do seu centro e o desastre das suas periferias e que, em vez disso, procura impor aos governos dos países em dificuldades, com a ajuda de agências de notação, a adopção de programas de austeridade assimétricos e socialmente injustos. Programas que protegem o capital financeiro e os sectores mais responsáveis pela actual crise e, numa ironia macabra, diminuem ou retiram até, justamente aos pobres e excluídos, os mecanismos que ainda subsistem de protecção social.

O caso de Portugal é, a este título, paradigmático. No país com maior desigualdade de rendimentos da União Europeia e com níveis assombrosos de pobreza, e até de pobreza laboral, o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) optou por combater o défice reduzindo cegamente os apoios sociais. O sociólogo Pedro Adão e Silva já classificou essa solução como «ideologicamente errada e politicamente preguiçosa», clarificando a escolha de fundo que estava em causa na elaboração do documento: «garantir a sustentabilidade de direitos ou, tomando o PEC à letra, fazer regressar a rede de mínimos sociais à lógica discricionária do passado» (...)
A «solução preguiçosa» é, de facto, preocupante.No contexto do PEC, e face a um desemprego galopante, essa «preguiça» sinaliza mesmo uma falha, senão mortal, decerto moral: é uma má escolha e reifica uma oposição directa ao contrato social em que as democracias fundaram a legitimidade da representação popular e para cujo funcionamento criaram as instituições democráticas que conhecemos.(...)

A tragédia é conhecida, pois a receita liberal há muito que vem sendo experimentada: as contas públicas acabam por perder as fontes de receitas das empresas que eram lucrativas; o Estado assume parte dos riscos que os privados se recusam a incorporar; a gestão privada contraria qualquer ilusão que pudesse existir de maior eficiência ou qualidade e, em troca, os cidadãos vêem-se confrontados com serviços mais caros e, frequentemente, de pior qualidade; por fim, fora de qualquer lógica de inclusão social e coesão territorial, que só as políticas públicas podem garantir, são progressivamente eliminados da actividade privada os segmentos não lucrativos que o orçamento de Estado não cubra.

O estado a que chegámos é, de facto, uma encruzilhada. Convoca a comunidade política que somos a regressar à discussão das finalidades que nos unem e a fazer a escolha, que não é nova, entre lógicas públicas de defesa de interesses comuns, que se apropriem do Estado, mas sem o considerarem a única esfera da organização e da participação dos cidadãos, e lógicas de interesses privados, que nos atomizam cada vez mais em estratégias individuais de competição, e em resultado das quais os que se saem sempre bem são os que já partiram com múltiplas vantagens para a contenda (mesmo que as narrativas se apressem a glorificar a excepção, o self-made man).

Os portugueses que foram obrigados pela crise a cancelar seguros de saúde, por exemplo, e que agora lêem nos jornais as desvantagens dos novos produtos alternativos que o mercado lhes propõe («cartões de desconto»), não devem estar longe de se juntar, entre outros, aos desiludidos dos fundos de pensões, ou aos trabalhadores precários atirados para o desemprego, numa mais clara compreensão da importância de defender a sustentabilidade dos serviços públicos e das prestações sociais. Raras vezes chegamos a encruzilhadas tão decisivas… A que estado queremos chegar?»

domingo, abril 11, 2010

Um concerto para recordar...



David Fonseca no Coliseu
9 de Abril de 2010

«Estiveram lá as suas canções: “A cry for love”, com batida resgatada à imortal “Be my baby” da Ronettes, que surge a início, “There’s nothing wrong with us” a pedir dança sobre teclados 80s (década omnipresente no concerto) ou a “Superstars” de assobio famoso, essa que chegou depois de David Fonseca aceder ao pedido do público (coisa futebolística de olés e “salta David, e salta David”) e ensaiar uma pose devidamente cinematográfica. Ouviu-se “Gelado de verão”, o esquisso de António Variações a que deu corpo com os Humanos, ou a euforia rock de “The 80s”, porventura a sua melhor canção. Mas, para além de tudo isso, esteve lá representado todo um imaginário, numa excessiva nostalgia de referências: o início com Pet Shop Boys ou Queen, imediatamente antes da entrada em palco, Cindy Lauper na versão de “Girls just wanna have fun” ou o gozo de transformar os acordes de “Borrow”, essa mesmo, dos Silence 4, na inenarrável “The roof is on fire”, dos não menos inenarráveis Bloodhound Gang.»

Ler mais aqui. E acreditem que o crítico não exagerou, foi um concerto brutal...


terça-feira, abril 06, 2010

Premiar uns, retirar cuidados de saúde a outros

Uma semana e meia de ausência, levam-me a escrever um daqueles textos abrangentes, sobre uma semana marcada por dois momentos bastante reveladores do lugar a que o Estado relegou o cidadão comum. Estou a falar do encerramento do centro de saúde de Valença, que é apenas um exemplo do que tem sido feito para retirar serviços e cuidados de saúde fundamentais aos cidadãos, em nome de critérios economicistas. O único garante do acesso público à saúde, demite-se da sua função. Cada vez mais é exigido ao cidadão que contribua com sacrifícios e aumento de impostos, mas depois não existe a contrapartida do Estado. E com isto, não critico a existência do Estado, mas sim a forma como está a ser gerido e as bases em que assenta. Não se pode assegurar um serviço fundamental de cuidados de saúde, porque não é rentável, mas pode-se por exemplo canalizar uma verba idêntica ou superior para o prémio de um gestor público.

Não é questionado um prémio milionário a um gestor público de uma empresa estatal que detém o monopólio do mercado, mas já existe outro rigor para eliminar um centro de saúde. O que me leva ao outro momento da semana, que é a divulgação do valor do premio anual de António Mexia. A justificação é a concretização de objectivos. Ora deve ser muito difícil gerir com sucesso uma empresa estatal como a EDP, que domina sem concorrência o mercado e pratica os preços mais elevados da Europa. Para já não falar no facto de ser questionável, que um gestor já pago mensalmente para executar uma gestão eficaz, seja ainda contemplado com um prémio por fazer o que lhe compete. Paga o Estado algum prémio ao varredor de rua que executa a sua profissão com zelo e competência, cumprindo os seus objectivos?

Como se não fosse suficiente a fraca fundamentação do prémio, ainda tivemos que assistir a uma jogada de propaganda patética com o programa "InovCity" em Évora, numa tentativa de mostrar serviço e desviar as atenções do essencial. E o essencial é gestão do bem público com critérios economicistas e não a pensar no interesse geral. A maior das ironias é que António Mexia, fez parte do grupo "Compromisso Portugal", que exigia a saída do Estado do capital de empresas como a EDP, afinal o garante do prémio chorudo que recebe agora. Tudo isto torna muito díficil perceber porque se encerram serviços públicos de um lado e se premeiam gestores ex-ministros, sentados em monopólios, no outro...