domingo, maio 31, 2009

A culpa é dos Partidos?

Na sequência do post anterior, no que diz respeito à parte em que Morin alertava para a necessidade de combater as desigualdades, foi comentado que a existência de máquinas partidárias acabava por fomentar o elitismo e as referidas desigualdades. E de facto, temos assistido nas últimas décadas a uma escandalosa promiscuidade entre detentores de altos cargos públicos e privados e os partidos que dominam os governos. Como se não fosse a competência o factor determinante para exercer determinado cargo, mas sim o cartão partidário que esta no bolso de individuo. Sendo que esta lógica alastra desde o individuo que é Presidente do Banco de Portugal ou da Galp ao que gere o Centro de Emprego local ou a Direcção da escola A, B ou C.

Logicamente esta orientação subverte toda a lógica democrática, porque ao ingressar num determinado partido, o individuo está a pensar em si próprio, na cunha que irá obter, na carreira que irá alcançar e nunca no bem comum ou na forma como poderá contribuir para melhorar a democracia.

A minha questão é: será que o mal está na organização partidária ou na própria mentalidade individual? À partida não parece ser anti-democrática, a ideia de alguém aderir ao partido y ou z, porque existem causas comuns ou algum sentimento de pertença a uma determinada ideologia política. Mas quando a mentalidade que impera, não é esta, mas sim a do ganho individual e a da militância como caminho para uma determinada carreira profissional, a ideologia é completamente secundária, assim como a ideia de cidadania ou de bem comum. E aqui, a culpa é da organização partidária ou dos indivíduos que pervertem essa lógica? O caciquismo é parte integrante da mentalidade nacional, desde quando mesmo? E se pensarmos nas democracias nórdicas que funcionam com partidos também, o problema é a mentalidade ou a organização partidária?

domingo, maio 24, 2009

Morin: Conhecimento, responsabilidade e solidariedade

"Se pudesse existir um progresso de base no século XXI, seria que os homens e mulheres não fossem mais os brinquedos inconscientes não só das suas ideias mas das suas próprias mentiras. É um dever capital da educação armar cada um para o combate vital pela lucidez."

Edgar Morin, Os Sete Saberes para a Educação do Futuro, (1999), 2002, p. 43


Edgar Morin esteve em Portugal este fim-de-semana para um Congresso e fez algumas declarações à imprensa, que nos devem fazer pensar. Referiu a necessidade de uma multiplicidade de reformas, não só económicas e sociais, mas também do conhecimento. O grande problema do conhecimento académico é ser compartimentado e demasiado hiper-especializado, o que não permite uma visão global da realidade. Por outro lado, não se estuda o próprio conhecimento e a condição humana, perguntas como o que significa ser humano ficam de fora do sistema de ensino.

Isso explica que pessoas exímias numa determinada área do saber, tenham enormes dificuldades em produzir conteúdos originais, deduções fora do padrão académico-tipo a que foram habituados e tenham grandes dificuldades no conhecimento das relações humanas, revelando sérias dificuldades de relacionamento interpessoal (isto sou eu, mas se calhar era onde o Morin queria chegar). O que me lembra, o que ouvi certa vez de um importante professor universitário, que infelizmente não me lembro o nome. Era mais ou menos isto, a educação superior mais não é que um conjunto importante de ferramentas que permitiam atingir outro patamar de conhecimento, e que a maioria das pessoas achava que era um fim em si, quando é apenas um ponto para subir a um outro patamar que envolve mais que o conhecimento cientifico.

Voltando ao Edgar Morin, em entrevista à RTP, refere como é fundamental uma sociedade assente na solidariedade e responsabilidade ética. Até aqui o desenvolvimento tem assentado no egocentrismo e isso minou as antigas solidariedades que vinham dos séculos anteriores. O sociólogo refere mesmo a necessidade dos governos criarem observatórios das desigualdades económicas que cada vez são maiores, "deve em cada nação fazer-se um observatório das desigualdades, para em cada ano reduzir as diferenças entre os de cima e os de baixo".

O resultado, digo eu, está à vista de todos, o individualismo sem qualquer consciência de bem comum ou de solidariedade, levou a esta sociedade profundamente injusta e desigualitária. que conhecemos. Onde a única ética que impera é a do próprio ego. É bom que se ouça este senhor de 88 anos. Reformular a forma como se apreende o conhecimento, solidariedade e responsabilidade é esse o caminho.

terça-feira, maio 19, 2009

Do Cristo Rei à Crise

Ainda anestesiados pela visita da Nossa Senhora de Fátima ao Cristo-Rei, os portugueses não devem ter reparado na queixa do sindicato dos técnicos de emprego, que denuncia o misterioso desaparecimento de 15 mil desempregados das listas do IEFP. Vale tudo para camuflar a dura realidade do desemprego. Já não basta as pessoas que frequentam cursos de formação ou que estão em programas ocupacionais não contarem para a estatística. Isto para já não falar dos trabalhadores independentes sem emprego, os não inscritos, os que já terminaram o período de subsídio, também eles fora dos números do IEFP.

Outra coisa que os portugueses não terão ouvido, é que a EDP os lesou com cobranças indevidas, baseadas em consumos estimados que os clientes de facto não concretizavam. Assim será mais fácil explicar os espantosos lucros da EDP. Da GALP já nem se fala, porque até os mais distraídos já perceberam como estão a ser prejudicados. Basta olhar para os novos painéis indicativos dos preços da gasolina ao longo das auto-estradas, para perceber que os preços são estranhamente iguais, mas atenção que não existe cartelização no mercado...

E já me esquecia de referir, que o número de trabalhadores precários a recibo verde aumentou 53% desde o início da legislatura socialista. Só pode ser motivo de orgulho, não é marca para qualquer governo socialista conseguir atingir.

O bom disto tudo é que o Cristo-Rei e a Nossa Senhora ouviram as preces dos milhares de portugueses e vão dar um jeitinho nisto tudo...

domingo, maio 17, 2009

Laicismo, não na televisão pública

No fim-de-semana em que a Televisão Pública dá uma extensa cobertura a um evento religioso, decepando de uma assentada o conceito de laicismo e de de pluralismo, parece-me boa ideia postar este discurso de Obama. Não porque seja original a explicação da necessidade do Estado ser laico (embora pareça que muitos de esqueçam...), mas porque os presidentes dos EUA têm sucessivamente esquecido este "pormenor".



E nós seremos mesmo um país de cristãos?

quinta-feira, maio 14, 2009

Direitos de autor, protecção económica ou liberdade de acesso


Acabou de ser aprovada em França, pela maioria Sarkozy, uma lei que criminaliza os utilizadores de Internet que efectuem downloads ilegais, com a punição de permanecerem impossibilitados de usar o serviço durante o ano. Os utilizadores continuam a pagar o serviço sem que o possam utilizar e tudo isto é decidido num processo administrativo, sem a intervenção de um juiz. Os fornecedores de Internet controlam os sites visitados pelos clientes e caso tenha lugar algum download, são enviados 2 avisos, após os quais o cliente é automaticamente considerado culpado. Ora isto é chamada inversão do ónus da prova, o indivíduo é imediatamente declarado culpado e ele próprio terá de provar o contrário. Democrático, não?

Note-se que os fornecedores de Internet, nunca saem prejudicados com esta medida. Recebem sempre o seu quinhão, mesmo sem que os clientes acedam ao serviço. É lhes proveitoso que os utilizadores paguem chorudas mensalidades por tráfegos ilimitados, mas desmentem o incentivo ao download ilegal e descartam qualquer possibilidade de partilhar os seus lucros com os produtores de conteúdos. Repare-se que sem conteúdos, colocados online pelos autores sejam eles quais forem, não haveria qualquer interesse para os consumidores em ter acesso à Internet. No entanto, o lucro não é partilhado.

Porque é que o consumidor final é o único culpado? Para além de ver a sua privacidade violada, a sua liberdade de acesso à informação é limitada ou mesmo proibida. Porque é a industria do audiovisual que comercializa os produtos culturais e de entretenimento a preços proibitivos, retendo muito do lucro que devia chegar aos autores, saí impune de tudo isto? E será que os autores perdem assim tanto? Nunca foram tão divulgados e é sabido que no caso dos músicos, as receitas com concertos aumentaram exponencialmente. Basta recordar o caso do último álbum dos Radiohead...

Podemos questionar se a partilha de conteúdos é de facto crime. Podemos perguntar-nos se o acesso à informação e à cultura que a Internet proporciona, não trouxe uma mais valia cívica e um crescimento pessoal a cada indivíduo, que traz benefícios socioeconómicos. Não podemos porque isso não é medível. O que é medível é a capacidade de lobbie de uma poderosa indústria audiovisual, que perdeu o monopólio sobre autores e consumidores e das empresas de telecomunicações que explora os lucros que a primeira perdeu. Mas no final os criminosos são os consumidores, o elo mais fraco da cadeia...

quarta-feira, maio 13, 2009

Violência urbana... again


Voltou à ordem do dia a violência urbana e a problemática dos bairros sociais. Desta vez foi o bairro da Bela Vista, no passado foi a cova da Moura, a Quinta da Fonte e tantos outros. E surgem os debates habituais e o rol de justificações para a violência: a pobreza, a guetização, a exclusão social, a falta de policiamento, o mau planeamento urbano, o desemprego e as desigualdades. Todas elas são pertinentes e mais ou menos unânimes. Já as soluções raramente são apontadas e muito menos levadas à prática.

Fala-se em policiamento de proximidade, sem que seja implementado. Parece-me indiscutível que uma figura de autoridade, conhecedora da realidade local, das pessoas e dos seus problemas concretos poderá conquistar o respeito da comunidade, tornando-se a imagem da protecção e ordem e não o inimigo. Por outro lado, fala-se de planeamento urbano e integração, mas os bairros sociais continuam verdadeiros guetos e não sofrem qualquer remodelação.

Existem ainda outras infra-estruturas de apoio social que seriam úteis e das quais pouco se fala. Um centro cívico que ofereça à comunidade actividades culturais e desportivas, apoio social, orientação profissional, que se transforme num alicerce comunitário, que suscite sentimentos de pertença e de confiança nas instituições. Porque é que não existe a figura de um tutor social ou mediador, que ajude cada família a estruturar a sua situação socioeconómica e a própria vida familiar, que identifique problemas e em articulação com outras entidades, ajude a encontrar soluções? Em vez de formarmos psicólogos e sociólogos para call-centers, bem podíamos integra-los num projecto deste tipo.

Estas medidas implementadas de forma consistente, por equipas multidisciplinares articuladas com instituições sociais, centros de emprego e de formação e agentes de segurança, certamente trariam resultados a longo prazo. Não será certamente uma tarefa fácil, mas a inacção que até aqui temos visto, não é de certeza a solução. E termino a denunciar a minha própria utopia, pelo simples facto dos governos nunca pensarem no longo prazo, mas somente em custos económicos. Projectos como os que acabei de descrever, caros e sem lucro imediato, são rapidamente afastados e por isso, iremos continuar a ouvir falar de violência urbana durante muitos anos...

terça-feira, maio 12, 2009

A pretexto da crise...



"Os Contemporâneos" 10 de Maio de 2009


Ainda bem que estes senhores regressaram... explicam isto da crise, bem melhor que eu!

terça-feira, maio 05, 2009

Internet livre, antes ou depois de 5 de Maio?

Parece incrível como algumas noticias verdadeiramente importantes para o nosso dia a dia, nos passam completamente ao lado. Só hoje descobri que estará a ser votada no Parlamento Europeu uma lei que acaba com a utilização livre da Internet. Esta lei se for aprovada, permite que os fornecedores dos serviços de Internet definam o que o utilizador pode ou não aceder, como se se tratasse de um pacote televisivo pré-formatado. Isto acontece porque o livre acesso à informação é uma mais valia para o cidadão, mas não para o Estado e para as grandes empresas porque representa uma forma de perda de poder e controlo.

Pretende-se fazer crer às pessoas, que o que está em jogo é apenas uma questão de combate à pirataria e à violação dos direitos de autor, mas na prática trata-se de proibir o acesso democrático e independente à informação e aos bens culturais. Será que os pequenos produtores de conteúdo e as pequenas e médias empresas, com sites de pequena dimensão vão estar incluídos nos pacotes comerciais dos operadores de Internet?

Isto é muito grave mesmo, só espero que este projecto não seja aprovado...
O que é lamentável é que se for aprovado ninguém irá saber, porque estamos todos demasiado preocupados com a gripe suína...

Adenda: Felizmente a lei não passou, a votação foi adiada:

«O Parlamento Europeu adiou hoje em Estrasburgo a reforma da actual legislação sobre comunicações electrónicas, rejeitando propostas de cortes de acesso à Internet em casos de downloads ilegais.

Ao assumir esta posição, naquela que é a última sessão plenária da actual legislativa, a assembleia remete para o próximo Outono o chamado processo de "conciliação", com vista a um entendimento entre o Parlamento Europeu e o Conselho (27 Estados-membros) sobre todo o pacote legislativo relativo às telecomunicações.

Com efeito, ao aprovarem por 407 votos a favor, 57 contra e 101 abstenções uma emenda alternativa que só permite a restrição dos direitos dos internautas com ordem judicial, o Parlamento Europeu obriga a que todo o pacote de medidas tenha que ser revisto. "Quando uma só alínea é rejeitada, todo o pacote tem que ser conciliado" lembrou a eurodeputada socialista francesa Catherine Trautmann, autora de parte do pacote legislativo.»

sábado, maio 02, 2009

AAAtchiiiiimmmm!!


Cartoon de Peter Bromhead


A recessão e o desemprego já abandonaram o início dos telejornais. Agora explica-se às pessoas como podem apanhar o vírus da gripe suína no metro de Lisboa e que quando se espirra, se deve ligar para a Linha Saúde 24 (não é aquela linha onde não eram precisos enfermeiros e foram despedidos centenas deles? deve ser, por isso é que com a brincadeira da gripe ficaram 800 chamadas por atender...). É sempre bom instalar o pânico, quando nem há casos registados no país. Vai daí as pessoas esquecem-se do que realmente as deve preocupar. Num país de hipocondríacos é fácil encontrar um português à beira de ficar sem emprego e sem meios de sobrevivência, a correr para a farmácia e comprar uma caixa de Tamiflu!




Cartoon de Drew Shenemann