terça-feira, junho 19, 2007

Poça de água

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Recordo bem este medo da infância.

Evitava as poças,

sobretudo as novas, após a chuva.

Afinal, uma delas poderia não ter fundo,

ainda que parecesse igual às outras.


Ponho o pé e, de súbito, afundar-me-ei,

voando para baixo

cada vez mais para baixo,

rumo às nuvens reflectidas

ou talvez mais além.



Depois a poça secar-se-á,

fechar-se-á por cima de mim,

e eu ali, presa para sempre,

com um grito que nunca chega à superfície.


Só mais tarde compreendi que

nem todas as más aventuras

cabem nas regras do mundo

e mesmo que o quisessem,

não poderiam acontecer.


WISLAWA SZYMBORSKA


In “Alguns gostam de poesia: antologia” p. 235.


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