sábado, abril 17, 2010

A que Estado queremos chegar?

Um artigo fundamental de Sandra Monteiro, a ler no Le Monde:

«E vamos comemorar o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social numa Europa que se recusa a olhar para as conexões sistémicas entre as vantagens do seu centro e o desastre das suas periferias e que, em vez disso, procura impor aos governos dos países em dificuldades, com a ajuda de agências de notação, a adopção de programas de austeridade assimétricos e socialmente injustos. Programas que protegem o capital financeiro e os sectores mais responsáveis pela actual crise e, numa ironia macabra, diminuem ou retiram até, justamente aos pobres e excluídos, os mecanismos que ainda subsistem de protecção social.

O caso de Portugal é, a este título, paradigmático. No país com maior desigualdade de rendimentos da União Europeia e com níveis assombrosos de pobreza, e até de pobreza laboral, o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) optou por combater o défice reduzindo cegamente os apoios sociais. O sociólogo Pedro Adão e Silva já classificou essa solução como «ideologicamente errada e politicamente preguiçosa», clarificando a escolha de fundo que estava em causa na elaboração do documento: «garantir a sustentabilidade de direitos ou, tomando o PEC à letra, fazer regressar a rede de mínimos sociais à lógica discricionária do passado» (...)
A «solução preguiçosa» é, de facto, preocupante.No contexto do PEC, e face a um desemprego galopante, essa «preguiça» sinaliza mesmo uma falha, senão mortal, decerto moral: é uma má escolha e reifica uma oposição directa ao contrato social em que as democracias fundaram a legitimidade da representação popular e para cujo funcionamento criaram as instituições democráticas que conhecemos.(...)

A tragédia é conhecida, pois a receita liberal há muito que vem sendo experimentada: as contas públicas acabam por perder as fontes de receitas das empresas que eram lucrativas; o Estado assume parte dos riscos que os privados se recusam a incorporar; a gestão privada contraria qualquer ilusão que pudesse existir de maior eficiência ou qualidade e, em troca, os cidadãos vêem-se confrontados com serviços mais caros e, frequentemente, de pior qualidade; por fim, fora de qualquer lógica de inclusão social e coesão territorial, que só as políticas públicas podem garantir, são progressivamente eliminados da actividade privada os segmentos não lucrativos que o orçamento de Estado não cubra.

O estado a que chegámos é, de facto, uma encruzilhada. Convoca a comunidade política que somos a regressar à discussão das finalidades que nos unem e a fazer a escolha, que não é nova, entre lógicas públicas de defesa de interesses comuns, que se apropriem do Estado, mas sem o considerarem a única esfera da organização e da participação dos cidadãos, e lógicas de interesses privados, que nos atomizam cada vez mais em estratégias individuais de competição, e em resultado das quais os que se saem sempre bem são os que já partiram com múltiplas vantagens para a contenda (mesmo que as narrativas se apressem a glorificar a excepção, o self-made man).

Os portugueses que foram obrigados pela crise a cancelar seguros de saúde, por exemplo, e que agora lêem nos jornais as desvantagens dos novos produtos alternativos que o mercado lhes propõe («cartões de desconto»), não devem estar longe de se juntar, entre outros, aos desiludidos dos fundos de pensões, ou aos trabalhadores precários atirados para o desemprego, numa mais clara compreensão da importância de defender a sustentabilidade dos serviços públicos e das prestações sociais. Raras vezes chegamos a encruzilhadas tão decisivas… A que estado queremos chegar?»

1 comentário:

Anónimo disse...

A crise não tem solução satisfatória para os países ocidentais, seus povos e é claro para Portugal e prós portugueses. O que a Europa está a viver é apenas o resultado da "economia selvagem" que adoptou e da concorrência desleal que é a actual "Globalização". É claro que os países mais fracos serão os primeiros a sentir mas os restantes irão logo a seguir. Sem produção não há PECs que resistam e a verdade é que a produção e a economia está a deslocar-se para oriente. Não é por acaso que a China teve um crescimento de 12% no último ano. Poderemos agradecer aos políticos ocidentais que aderiram a esta "Globalização Selvagem". Em Portugal temos dois fiéis representantes destas teorias globalizadoras que vão puxar o ocidente pró 3º mundo são eles PS e PSD.

Antes desta globalização selvagem, idealizada por políticos corruptos, comprados pelas grandes companhias que se queriam aproveitar dos baixos salários e desregulamentação laboral a oriente para aumentar os lucros; as relações comerciais faziam-se entre países com contrapartidas e uma questão estava sempre presente, se por exemplo a China queria vender um determinado produto a um outro país (no nosso caso a negociação seria agora com a UE), então teria que haver algum equilíbrio na balança das transações e nas negociações haveria sempre que esclarecer quais seriam as contrapartidas. Evitava-se o desequilíbrio da balança comercial e a fuga das unidades de produção (e não só) para países onde a mão de obra era mais barata, uma vez que a importação ficava sujeita a altas taxas
Zé da Burra o Alentejano