Negro dentro de mim...
Só a escuridão. A escuridão que se vê quando se fecha os olhos e se vê: a cor negra e os pequenos seres de luz que a habitam. Sem conseguir olhar fixamente para o negro ou para a luz. O negro dentro de mim. As figuras de luz que o quebravam. Um negro tão absoluto, tão profundo e tão infinito que o olhar avançava por ele sem encontrar um lugar onde pudesse deter--se. Abri os olhos. Dentro de mim era vazio. Com o olhar sobre o corpo da minha mãe, via na janela o céu subitamente negro. A noite. A ideia do meu braço a tremer. O céu negro como o meu interior. E o céu, negro, negro, negro, rasgou-se como se todo o céu e toda a sua escuridão fossem um pano negro sobre o mundo. O céu rasgou-se num ruído de rochas a afastarem-se depois de milhões de anos. E o céu gritou um trovão que era a voz do mundo e da escuridão, um trovão que era a voz de todo o sofrimento do mundo. Um grito de terror. O céu e o mundo a dizerem um grito negro que explodia dentro de mim. Todo o sofrimento do mundo explodiu dentro de mim. A chuva começou a cair em gotas grossas sobre a noite. A chuva era feita de gotas grossas e negras que caíam do céu e que lançavam sobre a terra todo o sofrimento e toda a escuridão. Entrava chuva no quarto. (…) Entrava vento que trazia chuva e mais sofrimento e mais escuridão. A noite e a escuridão e o sofrimento eram como se tivesse passado os portões de ferro da morte. O céu gritava trovões, e a morte, repetida, enchia a casa e explodia dentro do meu peito vazio e negro.
José Luís Peixoto, "Uma casa na escuridão", p.173
2 comentários:
Acho muito mal Cotovia que tenhas anulado o "post" anterior e que não assumas que não usas saltos altos e que só tens uns traços de negro de fumo em ti!
A anulação do post anterior deve-se aos erros de html que tinha e que azularam todos os links. Não podia permitir tal choque estético. Mas o conteúdo não foi alterado.
Os saltos altos não são para aqui chamados, mas assumo que não uso. Negro em mim há algum, felizmente agora até anda dissipado...
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