terça-feira, abril 24, 2007

Pedras como pessoas?

Conversa com a pedra


Bato à porta da pedra.

- Sou eu, deixa-me entrar, quero ver-te por dentro,

saber como és,

respirar-te.


Vai-te embora - diz a pedra.

Estou fechada a sete chaves.

Mesmo feitas em pedaços

estaremos fechadas a sete chaves.

Mesmo reduzidas a areia

não deixaremos ninguém entrar.

Bato à porta da pedra.

Sou eu, deixa-me entrar.

Venho por pura curiosidade.

Só em vida tenho esta oportunidade.

Gostaria de passear-me pelo teu palácio,

depois visitar ainda a folha e a gota de água.

Não tenho muito tempo para tudo isto.

a minha mortalidade deveria comover-te.

- Sou de pedra — diz a pedra

e isso obriga à seriedade.

Vai-te embora.

Não tenho os músculos do riso.


Bato à porta da pedra.

- Sou eu, deixa-me entrar.

Dizem que dentro de ti ha grandes salas vazias,

nunca vistas, belas para nada,

surdas, sem eco de quaisquer passos.

Confessa que pouco sabes a esse respeito.

Grandes salas vazias - diz a pedra,

mas lá não há lugar.

Belas, talvez, mas para além do gosto

dos teus pobres sentidos.

Podes conhecer-me mas nunca desfrutar-me

A minha superfície esta voltada para ti

mas o meu interior permanece de costas.

Bato a porta da pedra.

- Sou eu, deixa-me entrar.

Não venho em busca de eterno asilo,

não sou infeliz

nem desabrigada,

o meu mundo é digno de regresso.

Entrarei e sairei de mãos vazias.

E como prova autentica da minha presença,

terei para exibir meras palavras

nas quais ninguém acreditará.

Não entrarás - diz a pedra.

Falta-te o sentido da partilha.

E nenhum outro sentido te substituirá o sentido da partilha.

Nem uma visão apurada e omnividente

te há-de valer sem o sentido da partilha.

Não entrarás, em ti esse sentido é mera concepção,

o gérmen, imaginação.

Bato à porta da pedra.

- Sou eu, deixa-me entrar.

Não posso esperar dois mil séculos

para entrar sob o teu tecto.

- Se não acreditas em mim - diz a pedra -

vai ter com a folha, dir-te-á o mesmo.

Com a gota de água, o mesmo te dirá.

Por fim, pergunta a um cabelo da tua cabeça.

Estou prestes a soltar uma enorme gargalhada

mas não tenho o dom do riso.

Bato à porta da pedra.

- Sou eu, deixa-me entrar.


- Não tenho porta - diz a pedra.



Poema de
Wislawa Szymborska

In “Alguns gostam de poesia: antologia” p.125-129

2 comentários:

Anónimo disse...

yeap... como as pessoas.... bonito! :)

No Limite do Oceano disse...

Eu sou uma pedra, no entanto gostaria de um dia poder partir o vidro da uma janela enfeitada, ser atirado para um lago solitário para lhe dar vida, gostaria de ser a pedra que é atirada contra o reflexo da minha sombra e mesmo assim ser capaz de dizer um olá ao sol...isso sim seria a felcicidade moldada em um beijo.