domingo, junho 11, 2006

Concordo plenamente


Podia ter sido cravada numa estaca, ou erguida pelos cabelos em triunfo num sorriso vencedor. Depende dos sítios e dos séculos: esta é uma cabeça ensanguentada, opada, emoldurada, servida fria na bandeja das TV.
(...) Al-Zarqawi, dizem-nos, era um lugar-tenente de Ben Laden, e procurava-se vivo ou morto, com uma recompensa de 2o milhões de euros para quem fornecesse elementos que permitissem a sua captura. Morreu, dizem-nos, como viveu: com duas bombas de 250 quilos, ele e mais sete pessoas, incluindo uma das suas mulheres e um filho.
(...) Quando a sua morte foi anunciada aos jornalistas em Bagdad pelo primeiro-ministro iraquiano, uma salva de palmas interrompeu a conferência de imprensa. (...) "Os jornalistas não conseguiram manter a imparcialidade", diz-nos a narração sobre as imagens.
Não, não é suposto os jornalistas saudarem assim um anúncio governamental, seja ele qual for.
Mas imparcialidade? Imparcialidade quer dizer não ter parte. E toda a gente, a começar pelos iraquianos, tem parte nesta história. Toda a gente, a começar pelos iraquianos, está na linha de fogo. É por isso que é tão difícil saber qual a atitude certa. Tão difícil não achar normal, quase desejável, a visão desta cabeça morta do monstro enfim eliminado. Tão difícil saber onde riscar a fronteira entre nós e eles, entre os bons e os maus. O bem e o mal. O bem de o terem apanhado, o bem, até, de o terem morto, e o mal de o exibirem assim.

A necessidade pode ser um estado, mas não é um imperativo ético. Muito menos um estandarte civilizacional. Não se habituem.

In "A cabeça de Al-Zarqawi" - Fernanda Câncio

É perante o cenário de uma cabeça ensanguentada exibida em directo, que eu pergunto a mim própria: os fins justificam os meios? Se a nossa ética é a da necessidade, que tipo de sociedade é a nossa e o que nos distingue dos fundamentalistas?

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