Lágrimas
(...) Uma brisa ergue-se do interior da terra e chega a mim, à consciência de mim: o meu rosto, os meus lábios, o meu corpo tocado por essa brisa. Caminho por entre essa brisa a passar por mim, como se atravessasse uma multidão invisível. A brisa, ao tocar os meus olhos, transforma-se em lágrimas que descem frias pelo meu rosto. Os meus lábios. Sinto-as e sinto a memória das vezes que chorei o desespero parado, mais triste, de lágrimas que descem lentamente pelo rosto. O tempo passa por mim como qualquer coisa que passa por mim sem que a consiga imaginar e as lágrimas, que eram apenas a brisa a tocar os meus olhos, começam a ser lágrimas de desespero verdadeiro. Páro no passeio. O mundo pára. E lembro-me de ti como uma faca, uma faca profunda, a lâmina infinita de uma faca espetada infinitamente em mim.
José Luís Peixoto
Excerto de "Lunar" in Antidoto
Excerto de "Lunar" in Antidoto
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