quarta-feira, junho 30, 2010

O mistério do mundo

O mistério do mundo,
O íntimo, horroroso, desolado,
Verdadeiro mistério da existência,
Consiste em haver esse mistério.
...

Não é a dor de já não poder crer
Que m’oprime, nem a de não saber,
Mas apenas completamente o horror
De ter visto o mistério frente a frente,
De tê-lo visto e compreendido em toda
A sua infinidade de mistério.
...


Quanto mais fundamente penso, mais
Profundamente me descompreendo.
O saber é a inconsciência de ignorar...

Só a inocência e a ignorância são
Felizes, mas não o sabem. São-no ou não?
Que é ser sem o saber? Ser, como a pedra,
Um lugar, nada mais.
...

Quanto mais claro
Vejo em mim, mais escuro é o que vejo.
Quanto mais compreendo
Menos me sinto compreendido. Ó horror
paradoxal deste pensar...
...

Alegres camponesas, raparigas alegres e ditosas,
Como me amarga n’alma essa alegria!

Fernando Pessoa

domingo, junho 27, 2010

A austeridade leva ao desastre

Na sequência da crise económica, não podemos deixar de constatar que só uma corrente de pensamento económico tem eco na comunicação social. Economistas como Joseph Stiglitz, premio Nobel da economia em 2001, que têm chamado a atenção que a “austeridade leva ao desastre”, são sucessivamente ignorados. Segundo este economista, a resposta da Europa à crise deve basear-se na solidariedade e não numa austeridade que vai conduzir a um aumento do desemprego e à depressão económica. Falta coesão entre países ricos e pobres dentro da UE, países como a Alemanha culpam os governos dos países em dificuldades e descartam a responsabilidade dos mercados e da conjuntura económica. Esquecem-se que as baixas taxas de juro da zona euro facilitaram o endividamento destes países.

Com as taxas de desemprego a aumentar, um plano de austeridade, só agrava o problema e em breve gregos, espanhóis e portugueses deverão perguntar se têm interesse em seguir este caminho e tornarem-se mártires da política monetária europeia. Stiglitz recorda o caso da moeda argentina, ligada ao dólar por uma taxa de câmbio fixa, levou ao caos e ao abandono desta ligação. Hoje em dia, a Argentina cresce a uma taxa de 8% ao ano. Pergunto eu, valerá a pena, seguir religiosamente a senhora Merkel?

sexta-feira, junho 18, 2010

Adeus Saramago



Pelo espírito crítico, pelo inconformismo, pela vontade indomável de pensar a realidade e de a mudar, Saramago vai fazer-nos imensa falta. Felizmente fica a sua obra e as suas palavras para nos incutirem a necessidade de ter um espírito tão livre como o dele.

quinta-feira, junho 17, 2010

Porquê?


Gostaria de saber responder a esta pergunta. Talvez seja por distracção, entre a novela e o futebol não sobra muito tempo para pensar na legitimidade democrática. Talvez seja por um sentimento de impotência: eu sei que elejo uns fulanos que governam para uma determinada elite, mas não há nada que eu possa fazer para o contrariar. Se pensarmos que enquanto se discute a selecção e o mundial, são propostas medidas de flexibilização laboral, de eliminação e alteração de feriados e de cortes nos subsídios sociais, nomeadamente no subsidio social de desemprego, eu diria que a 1ª hipótese tem um grande peso. A distracção paga-se cara, estamos a perder direitos diariamente. Temos que ter consciência que não somos totalmente impotentes, podemos discutir alternativas e criticar as medidas que nos oprimem e quem está por trás delas.

terça-feira, junho 15, 2010

O encanto do Gerês

"Há sítios do mundo que são como certas existências humanas: tudo se conjuga para que nada falte à sua grandeza e perfeição. Este Gerês é um deles. Acumularam-se e harmonizaram-se aqui tais forças e contrastes, tão variados elementos de beleza e de expressão, que o resultado lembra-me sempre uma espéçie de genialidade da natureza."
Miguel Torga Diário VII

quarta-feira, junho 09, 2010

A caminho do abismo

Em entrevista ao jornal Washington Post, o economista norte-americano James K. Galbraith critica a receita ortodoxa que recomenda o corte de gastos públicos como maneira de enfrentar a crise. Para ele, o que está a acontecer na Europa é desolador.

“A ideia de que as dificuldades de financiamento (do Estado) emanam dos défices públicos é um argumento apoiado numa metáfora muito potente, mas não nos factos, não na teoria e não na experiência quotidiana.”

“A receita que se sugere agora, de que é possível cortar o gasto público sem cortar a actividade económica, é completamente falaciosa. Isso está a ocorrer agora na Europa e é desolador. Exige-se que os gregos cortem 10% do gasto público em poucos anos. E supõe-se que isso não afectará o PIB. É evidente que vai afectar. E afectará de uma maneira tal que eles não terão os ingressos fiscais necessários para financiar sequer um nível mais baixo de gasto público. E estão a obrigar a Espanha a fazer o mesmo. A zona do euro caminha para o abismo.”

(...) deveríamos concentrar-nos nos problemas reais e não nos fictícios. Temos problemas graves. O desemprego está em 10%. Muito melhor seria se nos dispuséssemos à tarefa de desenvolver políticas de emprego. E podemos fazê-lo, imediatamente. Temos uma crise energética e uma crise climática urgentes. Deveríamos dedicar-nos durante toda uma geração a enfrentar esses problemas de um modo que nos permita reconstruir paulatinamente o nosso país. Do ponto de vista fiscal, o que há a fazer é inverter a carga tributária, que actualmente é sustentada pelos trabalhadores. Desde o começo da crise que eu venho defendendo uma isenção fiscal temporária dos salários, de modo a que todos tenham um aumento dos seus rendimentos líquidos e possam abater as suas hipotecas, o que seria uma coisa boa. Também há que encorajar os ricos a reciclar o seu dinheiro, e por isso estou a favor de um imposto sobre os bens imóveis, um imposto que tradicionalmente tem beneficiado enormemente as nossas maiores universidades e organizações filantrópicas sem fins lucrativos. Essa é uma diferença entre nós e a Europa.

(...) Mas eu ainda tenho mais uma resposta! Desde 1970, com que frequência o governo deixou de incorrer em défice? Em seis curtos períodos, todos seguidos de recessão. Porquê? Porque o governo necessita do défice; é a única maneira de injectar recursos financeiros na economia. Se não se incorre em défice, o que se faz é esvaziar os bolsos do sector privado. No mês passado, estive num congresso em Cambridge em que o director executivo do FMI disse ser contrário aos défices e partidário do aperto fiscal: mas ambas são a mesma coisa! O défice público significa mais dinheiro nos bolsos privados.

James K. Galbraith é professor de economia na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, da Universidade do Texas, em Austin.


quinta-feira, junho 03, 2010

O silêncio de Manuel Alegre

Com o PEC aprovado pelo Centrão, com as legitimas alternativas apresentadas pela esquerda recusadas, podíamos esperar que o candidato presidencial dito de esquerda se manifestasse. Mas Manuel Alegre optou pelo silêncio, certamente para não comprometer o apoio que o PS estava prestes a anunciar. Esse silêncio significa comprometer tudo o que tem dito até aqui sobre justiça social e politica de esquerda. Tudo isso pelo apoio de um partido e de um Primeiro-Ministro completamente descredibilizados? De que serve esse apoio, numa altura em que os cidadãos perceberam claramente a injustiça deste plano de austeridade?

Uma candidatura verdadeiramente de esquerda, teria demolido imediatamente este PEC, não tendo feito isso, esta a abrir caminho para uma reeleição de Cavaco Silva. Cavaco Silva que não tendo condenado o PEC, por ser um sacrifício necessário, se foi colocando acima da política de austeridade, descolando-se do governo e demonstrando que já alertava para a crise há muito tempo. Claro que esta mensagem passa, quando não há uma oposição com alternativas que recorde a responsabilidade de Cavaco e do PSD para a situação actual. O que sobra? Um candidato monárquico que diz defender a cidadania? Eu diria que só sobra a desilusão...