quarta-feira, dezembro 30, 2009

Um Natal às escuras que não foi culpa de ninguém

O Natal de 2009 foi passado sem água, nem electricidade por largas centenas de famílias, o que deve ser uma maravilhosa experiencia de regresso ao inicio do sec. XX. Tudo por culpa desse sujeito de costas largas chamado “catástrofe natural”, mais concretamente um ciclone tropical, fenómeno meteorológico naturalíssimo e habitual no nosso país, historicamente documentado. A culpa não foi certamente das alterações climáticas provocadas por emissões excessivas de CO2 e aquecimento global, que gerações de políticos incompetentes ignoram, em hilariantes e ridículas cimeiras, como a de Copenhaga... Diga-se também que os próprios cidadãos que levam com as catástrofes naturais, dão tanta importância a esta realidade como os políticos incompetentes que elegeram. Sendo que os primeiros se podem queixar da desinformação, enquanto que os segundos se limitam a fazer o que sempre fizeram, que é assegurar os interesses dos grandes grupos económicos, em detrimento do cidadão comum.

Mas voltando aos culpados ou melhor aos inocentes, quem também não teve culpa foi a EDP cujos responsáveis já descartaram qualquer responsabilidade, passando a bola ao sujeito de costas largas chamado “catástrofe natural”. Seria pedir muito que parte dos lucros milionários da EDP fossem canalizados para a manutenção da rede eléctrica e para o reforço das estruturas existentes, ou até para um impensável plano de emergência em caso de danificação da rede eléctrica. Era pedir muito claro, a EDP precisa de capital para investir nos EUA, não vai agora preocupar-se com um serviço que tem por compromisso prestar aos clientes e que para mais é essencial. Que raio de ideia achar que os clientes/cidadãos vêm antes do lucro…É que a manutenção e renovação da rede eléctrica ainda custa dinheiro, assim como a contratação de mais técnicos (é mais rápido e eficiente vir uma equipa técnica do Minho para Torres Vedras…). Há que ser compreensivo, até era Natal... Ninguém poderia prever que anos e anos de medidas ambientais adiadas, tivessem consequências no clima, não é? E o lucro faz tanta falta…

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Feliz Natal!

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.




Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Capitalismo: Uma história de amor

Michael Moore voltou a fazer um excelente filme, "Capitalism: a love story" que recomendo vivamente. É analisado todo o sistema capitalista, o que ele representa e quais são as consequências da orientação para o lucro que estão na sua essência. O realizador começa logo com um excerto de um documentário sobre a Roma Antiga, as semelhanças são mais que muitas. Pão e circo, corrupção e manipulação da Lei, tudo bastante actual. Daí passamos aos dias de hoje, afinal o que acontece num sistema em que prevalece a orientação para o lucro? Temos pessoas sem trabalho, sem casa, com histórias de vida tocantes e verdadeiras apenas porque o que estava em causa era o lucro, de uma determinada instituição bancária.

A dura realidade das expropriações e das execuções de hipotecas, de alguma maneira já eram conhecidas. Mas o capitalismo tem facetas mais arrepiantes. São denunciadas duas situações que eu desconhecia e que de facto, são vergonhosas e mostram o culminar de um sistema deixado à rédea solta, onde o lucro está acima das pessoas. Numa pequena cidade dos EUA, uma casa de correcção juvenil estatal foi encerrada e substituída por uma instituição privada com o mesmo objectivo. Estranhamente muitos jovens começaram a ser condenados a uma reabilitação na dita instituição, pelos motivos mais insignificantes, como criticar o director da escola no myspace ou por discutir com um familiar. A reclusão era prolongada sem que houvesse ordem judicial. O estranhamente desaparece da equação, quando se descobre que os dois juízes encarregues destes casos, recebiam avultadas quantias para ajudar a empresa privada a ser lucrativa. Centenas de jovens sacrificados em nome do lucro, lindo não? Por algum motivo o interesse público existe e devia estar acima do lucro.

Mal refeitos desta enormidade de um capitalismo levado ao extremo, Michael Moore passa a mostrar como muitas empresas americanas fazem seguros de vida aos seus trabalhadores sem que eles e as famílias saibam. Estamos a falar de milhares de dólares, até contemplados nos orçamentos das empresas como “Dead peasants insurance” (sim é verdade, o nome é camponeses mortos!!), documentos onde até se lamentam as taxas de suicídio, que não são lucrativas. Lucrar com a morte de alguém? Isto é inarrável, mas permitido por lei e praticado nos EUA! Como é que isto passa? É fácil de perceber, basta ver quem foram os secretários do Tesouro nos últimos anos nos EUA, tão só a elite financeira, os gestores de topo da Goldman Sachs

O realizador interroga-se (e eu também…) como perante tudo isto, as pessoas pensam que este é o melhor dos sistemas. A resposta é propaganda, manipulação pelo medo e mais propaganda. Ele quer o fim do capitalismo e o regresso à democracia e conta com a ajuda de todos. Vê na eleição de Obama um sinal de mudança. Eu não consigo ser tão optimista, de qualquer forma a minha ajuda é este post. Espero que quem leia perceba melhor a gravidade de viver com um sistema onde o lucro está acima das pessoas e o governo é um mero fantoche da elite financeira, e não deixem mesmo de ver o filme!

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Indicadores

Durante esta semana, surgiram dois indicadores económicos que convém realçar. O primeiro revela o poder de compra dos diferentes países europeus. Numa altura em que se recusam aumentos salariais e que os empresários fazem uma tremenda birra ao crescimento do salário mínimo para 475 euros, este indicador demonstra a profunda injustiça destas propostas. Apesar do custo de vida estar ao nível de outros países europeus (Lisboa já ultrapassou Londres no ranking das capitais mais cara da Europa), os nossos salários são ridiculamente mais baixos. Esta realidade não só tem consequências sociais, como nos afasta da célebre convergência europeia e ainda compromete a dinâmica do consumo e da procura interna.

O segundo indicador diz respeito aos prémios atribuídos aos gestores financeiros. Aqui curiosamente não há falta de convergência com o que se faz no resto da Europa, excepto pela diferente tributação a que estes prémios estão sujeitos. Em França, são tributados a 50%, porque afinal foi a mestria destes génios da gestão financeira que deu origem à crise que atravessamos. Mas em Portugal, não, parece que não houve conduta irresponsável dos gestores financeiros. Talvez o BPN e o BPP tenham sido apenas um sonho mau e o dinheiro dos contribuintes lá injectado, uma mera nuvem de fumo...

Estamos a falar de 300 milhões de euros em prémios, valor que é aceitável para a Banca Portuguesa. É bom recordar que a Banca é tributada na mesma percentagem que as pequenas e médias empresas, algo impensável em qualquer outro país europeu. Não admira que exista dinheiro para prémios chorudos, independemente da recessão e da responsabilidade assumida. Mas o que indigna é um aumento de 15 euros no salário mínimo...

A semana termina com a aprovação da proposta do governo de união entre pessoas do mesmo sexo, medida com a qual me congratulo e que consagra uma igualdade efectiva de direitos. nesta matéria. É sempre bom saber que pelo menos no acesso ao casamento, existe igualdade de direitos. Era óptimo poder dizer o mesmo para a igualdade no acesso ao emprego, à justiça, à saúde e à educação.

sábado, dezembro 12, 2009

A desilusão de Obama

Foi lamentável que Obama surja a defender a guerra, numa sessão de atribuição do prémio Nobel da Paz, ao ponto de ter ouvido Luís Delgado elogiar-lhe o discurso. Se a insistência em levar a cabo o Plano de Saúde, contra todo o tipo de lobbies, me levou a tecer-lhe elogios, a inversão do discurso da paz e do diálogo é uma profunda desilusão. Começa logo na manutenção da estratégia de guerra no Afeganistão. Não digo que fosse possível já uma saída das tropas, mas uma estratégia assente, não no envio de mais tropas, mas no apoio às populações com infra-estruturas, a nível da educação, da agricultura, do abastecimento de agua, era certamente possível.

Em relação ao conflito israelo-árabe, nem um esforço mínimo foi feito para obrigar as duas partes a regressar ao diálogo. Mas talvez mais grave, passando até quase despercebido, foi a renovação do “Patriot Act”. Para quem não se lembra, o “Patriot Act” é um pacote legislativo da Administração Bush, que esmaga todas as liberdades, direitos e garantias dos cidadãos, permitindo que sem ordem judicial ou base concreta de suspeita, se possam colocar escutas, aceder a mails, a tráfego de Internet e todo o tipo de dados pessoais. Esta legislação expirava no final do ano, mas vai ser mantida.

Quem não se lembra dos discursos inflamados de Obama a defender a constituição e os direitos dos cidadãos? Ao que parece a realidade é bem diferente, o “Patriot Act” é para continuar, assim como a guerra no Afeganistão. Para quem, como eu, acreditou em Obama, tudo isto é de uma enorme desilusão que nem o Plano de Saúde pode fazer esquecer. Espero que Obama recorde os seus discursos de paz, diálogo e respeito pelos direitos dos cidadãos e reformule a estratégia que agora está a seguir. Mais do mesmo, não… já são demasiados os exemplos.

domingo, dezembro 06, 2009

Castração não!

Poeta Castrado, Não!

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
--- é tão vulgar que nos cansa ---
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
--- a morte é branda e letal ---
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
--- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
--- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

José Carlos Ary dos Santos

sábado, dezembro 05, 2009

Bons negócios

Ontem passou na SIC uma reportagem que analisava as aquisições de helicópteros e submarinos pelo Estado Português, que envolviam milhões de euros em contrapartidas que nunca foram efectuadas. O negócio dos helicópteros pressuponha 400 milhões de euros em negócios para empresas portuguesas, mediante a autorização de comercializar certos produtos e tecnologia fornecida pela empresa italiana que vendeu os aparelhos. A realidade é que as empresas portuguesas nunca viram lucro nenhum e dos 400 milhões só 87 milhões chegaram efectivamente. Grande negocio, não? A coisa ainda melhora, porque não houve qualquer compromisso para garantir a manutenção dos helicópteros, por falta de peças sobressalentes 6 estão inactivos e a sua reparação terá que ser feita em Inglaterra, tudo suportado pelo contribuinte.

Só falta referir que o responsável por este compensatório negócio foi Paulo Portas. Extremamente zeloso, no que diz respeito ao dinheiro gasto com o rendimento mínimo garantido, o ex-ministro da Defesa não parece tão preocupado com as contas do Estado, quando o que esta em causa são helicópteros e submarinos e não pessoas carenciadas. Para além disso, a reportagem faz-nos pensar na forma como os negócios do Estado se realizam, muito pouca importância é dada ao dinheiro que é de todos, porque é mais fácil baixar salários e aumentar impostos, do que racionalizar despesas e planear devidamente as aquisições que se fazem.