domingo, agosto 30, 2009

Da nossa imundície passada e presente


Nunca é tarde para aprender a lavar as mãos


«A tão negligenciada literatura de casa de banho acaba de obter o significativo patrocínio do Estado. O recente panfleto que a Direcção-Geral de Saúde espalhou por todas as casas de banho públicas do País é, antes de tudo, inquietante - como toda a boa literatura deve ser. Intitulado "Como lavar as mãos?", o texto começa por ser magistral no modo como manipula a arrogância do leitor para, em primeiro lugar, provocar o riso. Um riso que depressa se torna amargo: em poucos segundos, o mesmo leitor que intimamente escarneceu da intenção de quem se propunha ensinar-lhe insignificâncias é tomado pelo assombro de verificar que nunca, em toda a vida, teve as mãos verdadeiramente lavadas. O panfleto apresenta um plano de lavagem das mãos em 12 (doze) passos, incluindo manobras de esterilização com as quais o cidadão médio jamais terá sonhado. Não haja dúvidas: estamos perante um compêndio da higiene manual e digital, uma bíblia da desinfecção do carpo e metacarpo. Este detalhado e rigoroso guia não deixa nem uma falangeta por purificar. Mas - e isto é que é terrível -, ao mesmo tempo que o faz, esfrega-nos na cara a nossa imundície passada e presente.

(...) No passo número dois ("Esfregue as palmas das mãos, uma na outra", recomendação acompanhada de um desenho em que duas mãos se esfregam em movimentos circulares contrários ao movimento dos ponteiros do relógio), quem sempre esfregou no sentido inverso, como é o meu caso, sente que desperdiçou uma vida inteira de higiene pessoal. Os passos seguintes fazem o mesmo, embora em menor grau: em terceiro lugar há que "esfregar a palma da mão direita no dorso da esquerda, com os dedos entrelaçados, e vice-versa"; o quarto passo apela a que se esfregue "palma com palma com os dedos entrelaçados"; e o quinto passo aconselha uma fricção da "parte de trás dos dedos nas palmas opostas com os dedos entrelaçados". Bem ou mal, com os dedos mais ou menos entrelaçados, estes passos descrevem esfregas que estão ao alcance da imaginação de qualquer pessoa. A partir daqui, o caso piora de novo. O passo seis determina que se "esfregue o polegar esquerdo em sentido rotativo, entrelaçado na palma direita e vice-versa", em movimentos semelhantes aos que se fazem quando se acelera numa motorizada, e o passo sete recomenda que se "esfregue rotativamente para trás e para a frente os dedos da mão direita na palma da mão esquerda e vice-versa". O cuidado posto nestes preceitos amesquinha quem até aqui se limitava a esfregar as mãos uma na outra, descurando, por exemplo, o papel que os dedos devem desempenhar, e logo rotativamente, na higiene.

Enxaguar as mãos é o passo oito. Secar as mãos com toalhete descartável, o passo nove. Mas o passo dez volta a revelar que o processo é complexo: "Utilize o toalhete para fechar a torneira, se esta for de comando manual." A torneira deve, por isso, continuar a correr durante todo o passo nove, provavelmente para prevenir eventuais emergências de enxaguamento, sendo fechada apenas no passo dez. O décimo primeiro passo é o mais interessante: "Agora as suas mãos estão limpas e seguras." A contemplação da limpeza e segurança das mãos constitui, portanto, um passo autónomo neste processo de lavagem manual. No fim da lavagem, falta apenas, com as mãos impecavelmente limpas (e seguras), sair da casa de banho abrindo a porta em que toda a gente mexeu. E, creio, voltar atrás para repetir o processo.»

Ricardo Araújo Pereira

quinta-feira, agosto 27, 2009

"Reform Madness"

Nos EUA decorre uma escandalosa campanha contra o plano nacional de saúde de Obama. O sistema público de saúde está a ser apelidado de comunista, comparado à antiga URSS, diabolizado de uma forma ridícula. Por trás desta violenta campanha de manipulação dos cidadãos americanos, estão os lobbies das seguradoras de saúde privadas que sentem os seus lucros milionários ameaçados. De facto estas empresas obtêm lucros espantosos, porque cobram preços elevadíssimos que depois não correspondem aos serviços efectivamente prestados. São recusados vários tipos de tratamentos graças a cláusulas contratuais abusivas. Basta ver o filme “Sicko” de Michael Moore para perceber o grau de desumanidade e de fraude que impera neste sector.

O que existe nos EUA é o sistema de saúde mais caro do mundo, colocado no ranking de qualidade em 37º lugar, deixando à margem, sem acesso a qualquer tipo de cuidados de saúde 40 milhões de americanos! Só esta informação deveria colocar o povo americano ao lado de qualquer tentativa para mudar o sistema (e o plano de Obama nem sequer é um sistema inteiramente público, é um sistema misto) ,mas não é isso que está a acontecer. As informações que estão a passar da parte dos Republicanos, lobbies das seguradoras e dos próprios média, são mentiras inacreditáveis como: «o novo plano de saúde promove a eutanásia», «haverá racionamento de tratamentos e medicação» e «o estado vai tomar conta de todo o sistema de saúde incluindo o privado».

Chegou-se ao ponto do editorial do jornal "Investor's business Daily" publicar afirmações perfeitamente disparatadas, como dizer que o físico Stephen Hawking nunca teria hipotese de tratamento no Reino Unido, porque o Sistema Nacional de Saúde Britânico consideraria a sua vida inútil! Nem sei como há alguém vivo na União Europeia, a julgar por estes comentários...

É isto que acontece quando o lucro vem antes das pessoas! Não se olham a meios para manipular a opinião pública! Um bom exemplo disso neste excerto do Daily Show de Jon Stewart, para ver aqui.

quarta-feira, agosto 26, 2009

De volta...



Praia das Furnas e Samoqueira (Porto Côvo)

quarta-feira, agosto 19, 2009

Time out


Deixem-me aproveitar, antes que cresça aqui um empreendimento turísitico... Até Breve!


quinta-feira, agosto 13, 2009

Politiquices

O aproximar de eleições e a organização de listas partidárias acaba por trazer ao de cima todo o tipo de jogadas políticas, que tão má imagem dão da nossa democracia e particularmente da organização dos partidos. Os amigos entram nas listas, mesmo que estejam envolvidos em processos judiciais com fortes evidências de corrupção. Os inimigos, que é como quem diz quem nos criticou e se opôs ao querido líder, são gentilmente afastados. Os que se indignaram porque não podem estar nas autárquicas e nas legislativas, são devidamente recompensados para não levantarem mais ondas. Veja-se como Sónia Sanfona puxa dos seus contactos no poder central para prometer médicos aos munícipes de Alpiarça, já que não pode voltar a ser deputada na assembleia da república... Haja alguma compensação claro está...

O que fica sempre bem é tentar piscar o olho a outros quadrantes políticos, colocando nas listas simpatizantes ou ex-militantes de outros partidos. Manuela Ferreira Leite para piscar o olho à sua direita foi buscar Maria José Nogueira Pinto, que agora ter que proferir parvoíces do género «Nas europeias, voto Rangel, nas legislativas, voto Ferreira Leite e na Câmara de Lisboa, voto António Costa». Suponho que coerência não seja um requisito politicamente relevante.

Melhor fez o PS, para aliciar simpatizantes do Bloco de Esquerda. Pela cultura e pelos direitos das comunidade LGBT, foram recrutados para as suas listas, Inês de Medeiros e Miguel Vale de Almeida. Parece fácil, não é? Nem é preciso ter quatro anos de governação completamente alheios a estas duas questões. Suponho que tudo isto mais não seja que um valente atestado de burrice aos eleitores. Depois surpreendam-se que a abstenção esteja aos níveis conhecidos, que os partidos à esquerda do PS reúnam quase 20% dos votos e que a maioria dos portugueses tenha uma opinião extremamente negativa da classe política. Pudera!

domingo, agosto 09, 2009

Ainda há alguém a construir?

Que eu não fui há um momento,
sabes já? E tu dizes não saber.
Então sinto que se não andar a correr,
posso nunca ter passado totalmente.

Sim, mais do que sonho de um sonho sou.
Só o que a limites consolidados aspirou,
é como um dia e como um som que esvoaça;
pelas tuas mãos inominado passa,
para a múltipla liberdade encontrar,
e elas com tristeza o vêm a abandonar.



E o escuro apenas para ti ficou,
e, crescendo para a luz vazia,
uma história do mundo se erguia
de uma pedra que cada vez mais cegou.
Ainda há alguém a construir?
As massas de novo às massas dão voltas,
as pedras estão como soltas

E nenhuma foi por ti talhada...


Rainer Maria Rilke

In O Livro de Horas, p. 161

quarta-feira, agosto 05, 2009

Dentistas a mais?? Onde?




Sinceramente faz-me confusão, como é que num país onde milhares de pessoas, estão excluídas de cuidados de saúde dentária, o bastonário da Ordem dos Dentistas exije a redução de vagas nos cursos para estes profissionais. Existem dentistas a trabalhar fora do país, porque o sistema nacional de saúde não contempla esta especialidade, o que não significa que existam profissionais a mais. Esta grave lacuna no sistema nacional de saúde constitui um grave problema de injustiça social. Quem pode pagar tem acesso a cuidados de saúde dentária, quem não essa possibilidade financeira, não tem acesso aos serviços do dentista. Essa seria a realidade a combater, aí é que reside a questão fulcral e não no nº de vagas disponíveis.

O que também me deixa confusa, é a razão pela qual o desemprego dos dentistas não suscita um apelo firme do Bastonário à integração destes profissionais no Sistema Nacional de Saúde, pressionando o poder político para a resolução do problema do desemprego e das pessoas que não podem pagar cuidados de saúde dentária no privado. Não queria pensar que a razão, está na concorrência que o publico faria ao privado, que certamente obrigaria os dentistas a baixar as suas exorbitantes tabelas de preços…

Em tempo de pré-campanha para as legislativas, era bom verificar o que dizem os partidos do Sistema Nacional de Saúde. Quem se atreve a dizer que a universalidade dos cuidados de saúde, independentemente da sua condição socio-económica, não é um imperativo ético e moral?

terça-feira, agosto 04, 2009

Generosidade para quem?


Em primeiro lugar, tenho de pedir desculpa pela minha velocidade de reacção aos acontecimentos… é do calor, do cansaço acumulado, enfim... Vou falar de um anúncio que já tem uma semana, mas ainda assim merece um post. O PS num ataque frenético de generosidade ou quiçá numa tentativa propagandística de nova esquerda, resolve anunciar a atribuição de uma conta de 200 euros por recém-nascido, a movimentar quando este tiver 18 anos. A primeira coisa que salta à vista é o ridículo do valor, quando comparado com o praticado noutros países. A Alemanha atribui pelo nascimento de um filho até 25 mil euros, pagos pelo Estado durante doze meses. Espanha oferece 2500 euros aos recém-nascidos, o Luxemburgo, 2291 euros, na Bélgica o Governo criou um subsídio de nascimento de 1064 euros e em França existe um prémio de 855 euros pelo nascimento de cada filho.

O que também salta à vista, é que na altura em que a criança mais precisa de apoio, não tem acesso a essa verba. Não seria mais proveitoso aumentar o abono de família ou conceder mais direitos aos pais que trabalham, como reduções de horário (convém lembrar que o código de trabalho rosa, veio retirar direitos e não atribuir…). Aos 18 anos, “o bebé” já poderá até ter o seu próprio emprego e já os pais passaram pela fase dos maiores encargos. A nível social ou familiar nada disto faz sentido.

E por último, vamos pensar em quem ganha verdadeiramente com esta medida. Ora quem fica com 200 euros a multiplicar pelo número de nascimentos em Portugal, isto é, mais ou menos 20 milhões de euros? A banca. E já nem falo da eventual cobrança de comissões de conta, basta pensar que a verba só pode ser mobilizada pelos destinatários 18 anos depois, são largos milhões nos cofres dos bancos até ao primeiro levantamento.

Tudo isto, mais não é, do que dar uma ideia de aparente preocupação social de partido de esquerda, quando de facto se beneficia a mesma Banca, cujos privilégios permaneceram intocáveis ao longo da governação socialista. O português com a sua tendência ao conformismo e a pensar pouco no assunto, dirá até «É melhor que nada!», esquecendo-se do que já perdeu e de quem efectivamente ganha…