terça-feira, outubro 28, 2008

Labirinto

«... Acabamos por nos envaidecer com subentendidos que afinal mudam tudo, como um sinal negativo colocado discretamente à frente de uma soma; esmeramo-nos, neste ou naquele passo, em fazer de uma palavra mais audaciosa o equivalente a uma piscadela de olho, ao levantar da parra, ou ao descer da máscara, logo a seguir reposta, como se nadafosse. Opera-se então uma triagem entre os nossos leitores; os parvos acreditam em nós; outros supondo-se mais néscios que eles, repudiam-nos; os que ficam, aprendem a desenvencilhar-se no meio do labirinto, a saltar e a contornar os obstáculos da mentira.»


Marguerite Yourcenar, "A obra ao negro", Ed. D. Quixote, p. 88.


sábado, outubro 25, 2008

Nobreza de atitude

«Quando, no passado domingo, o Ministério das Finanças anunciou que o Governo vai prestar uma garantia de 20 mil milhões de euros aos bancos até ao fim do ano, respirei de alívio. Em tempos de gravíssima crise mundial, devemos ajudar quem mais precisa. E se há alguém que precisa de ajuda são os banqueiros. De acordo com notícias de Agosto deste ano, Portugal foi o país da Zona Euro em que as margens de lucro dos bancos mais aumentaram desde o início da crise. Segundo notícias de Agosto de 2007, os lucros dos quatro maiores bancos privados atingiram 1,137 mil milhões de euros, só no primeiro semestre desse ano, o que representava um aumento de 23% relativamente aos lucros dos mesmos bancos em igual período do ano anterior. Como é que esta gente estava a conseguir fazer face à crise sem a ajuda do Estado é, para mim, um mistério.

A partir de agora, porém, o Governo disponibiliza aos bancos dinheiro dos nossos impostos. Significa isto que eu, como contribuinte, sou fiador do banco que é meu credor. Financio o banco que me financia a mim. Não sei se o leitor está a conseguir captar toda a profundidade deste raciocínio. Eu consegui, mas tive de pensar muito e fiquei com dor de cabeça. Ou muito me engano ou o que se passa é o seguinte: os contribuintes emprestam o seu dinheiro aos bancos sem cobrar nada, e depois os bancos emprestam o mesmo dinheiro aos contribuintes, mas cobrando simpáticas taxas de juro. A troco de apenas algum dinheiro, os bancos emprestam-nos o nosso próprio dinheiro para que possamos fazer com ele o que quisermos. A nobreza desta atitude dos bancos deve ser sublinhada.


Tenho a certeza de que os bancos vão usar pelo menos parte desse dinheiro para devolver aos clientes aqueles arredondamentos que foram fazendo indevidamente no crédito à habitação, por exemplo, e que ascendem a vários milhares de euros no final de cada empréstimo. Essa será, sem dúvida nenhuma, uma prioridade. Vivemos tempos difíceis, e julgo que todos, sem excepção, temos de dar as mãos. Por mim, dou as mãos aos bancos. Assim que eles tirarem as mãos do meu bolso, dou mesmo.»


Ricardo Araújo Pereira, "Boca do Inferno", Visão de 23/10/2008.


quinta-feira, outubro 23, 2008

Tapa-sonhos


Se alguém tem dúvidas acerca de quem poderia, alguma vez, lembrar-se de fotografar a filosofia de pacote de um iogurte "Danone"... sim, fui eu que tirei a fotografia... :))

Eu sabia que alguma coisa me boicotava os sonhos... agora que era uma tampa de iogurte!!

Ou não... ou não...




segunda-feira, outubro 20, 2008

8 meses, 32 mulheres vítimas de violência doméstica



A propósito da Marcha Mundial das Mulheres, nunca é demais lembrar que em Portugal, e só de Janeiro a Agosto, morreram 32 mulheres vítimas de violência doméstica. Os abrigos da UMAR (União das Mulheres - Alternativa e Resposta) estão constantemente superlotados. São o único refúgio para as mulheres que sem autonomia financeira e sem qualquer protecção, se vêem obrigadas a abandonar a própria casa.

As mulheres continuam a auferir os salários mais baixos, são as mais afectadas pelo trabalho precário e pelo desemprego. São também as mulheres que mais se ocupam das tarefas domésticas e da educação das crianças.

Mais que um problema político, esta é sem dúvida uma questão de mentalidades, que é urgente mudar. Integrar a questão da igualdade de género e o problema da violência doméstica na disciplina de cidadania é um passo importante.

sábado, outubro 18, 2008

"Supercapitalism"... ora nem mais




Entrevista a Robert Reich, "The Daily Show with Jon Stewart", 16-10-2008

sexta-feira, outubro 17, 2008

Erradicar a pobreza até dia 19


Está a decorrer uma iniciativa até domingo, denominada "Levanta-te e actua". Sendo a pobreza um problema dramático, que cresce de dimensão a cada dia que passa, considero positiva qualquer iniciativa que promova o activismo e que alerte para a gravidade deste flagelo. Ninguém pode dizer que não conhece os factos:

«980 milhões de pessoas vivem com menos de 75 cêntimos por dia e quase metade da população mundial (2,8 mil milhões) vive com menos de 1,5 € por dia.

Mais de 800 milhões de pessoas vão para a cama com fome todos os dias... 300 milhões delas são crianças. Desses 300 milhões de crianças, apenas 8% são vítimas de secas ou outras situações de emergência; mais de 90% sofre de má nutrição de longo prazo e deficiências de micronutrientes.

A cada ano, seis milhões de crianças morrem de subnutrição antes de completarem cinco anos de idade»


Até soa a cliché, mas atrás destes números estão seres humanos e pessoas reais marcadas pela angústia e pelo sofrimento. Muitas caminham ao nosso lado e nem as vemos. Elas são uma das razões de muitos dos posts deste blog. É por eles que eu critico o sistema e sugiro tomadas de posição. Não basta levantarmo-nos. É preciso mudar comportamentos todos os dias do ano, não só de 17 a 19 de Outubro.

É preciso que quem hoje se levanta, perceba como pode lutar contra o sistema no seu dia-a-dia. É preciso que não sejam coniventes com aqueles que têm milhões para salvar banqueiros, mas que nada fazem para resolver a questão da fome e da pobreza. Temos recursos suficientes para que ninguém morra de fome e possa sobreviver sem carências. Há é que perceber quem é que não quer ver esta evidência e porquê. E que tal aquelas 6 medidas que referi no post anterior, para começar?

quarta-feira, outubro 15, 2008

Ainda o "Zeitgeist" e a procura de alternativas


Numa altura em que se questiona, ou pelo menos devia questionar-se o sistema capitalista, parece-me importante voltar a falar do documentário "Zeitgeist: adendum". As duas horas de filme podem dissuadir até os mais curiosos, por isso vou sistematizar as principais questões que o filme aborda. Mais uma vez, refiro que encaro o filme com algum cepticismo e com espírito crítico, mas existem factos pertinentes que vale a pena analisar.

A parte inicial do documentário aborda o sistema financeiro e a forma como se gera lucro, através de taxas de juro, sem que realmente exista liquidez. Assim se cria um estado de dívida permanente que mantém os cidadãos reféns do sistema, numa nova forma de escravatura. O estado de dívida permanente também mantém uma subserviência dos países pobres relativamente aos países ricos. É analisada a forma como o FMI e o Banco Mundial, impõem aos países subdesenvolvidos politicas que os endividam ainda mais e comprometem o seu desenvolvimento e os seus recursos naturais. São abordados os casos dos países sul-americanos, do Irão e do Iraque e a forma com os EUA ingeriram na política interna destes países para garantir a sua supremacia económica.

Denuncia-se a forma como a lógica da persecução do lucro, gera corrupção e falta de ética, colocando o bem-estar da população sempre em último lugar. Apesar do progresso tecnológico, é o estado de escassez, pobreza e dívida permanente que gera lucro, logo é mantido, mesmo sendo contrário ao bem-estar geral.

A última parte e talvez a mais interessante, é a alternativa ao sistema capitalista, uma economia baseada em recursos e em tecnologia, e não no sistema financeiro, no dinheiro, no crédito e na dívida. Aposta-se na educação, cultura e investigação e na utilização racional dos recursos naturais, energias renováveis e avanço tecnológico, alterando culturas e mentalidades. É o que defendem os membros do "The Venus Project", que são entrevistados durante o filme e cujas propostas podem ser consultadas em pormenor no site.

Para mim é interessante verificar que existem pessoas mais utópicas que eu. Mas reconheço a importância destas propostas e confesso que adoraria viver numa sociedade assim organizada. O caminho para lá chegar é que não está bem esclarecido. O que se propõe é que a mudança está na atitude individual, mas será suficiente? Dão-se exemplos concretos de comportamentos facilitadores da mudança:

1. Expor as grandes instituições financeiras, boicotando os seus produtos financeiros como créditos e acções

2. Boicotar as principais cadeias noticiosas, procurando agências noticiosas livres e independentes, procurando defender a informação e a liberdade de expressão que se consegue através da Internet

3. Boicotar as instituições militares

4. Procurar a auto-suficiência energética, contradiando sobretudo as grandes companhias petrolíferas

5. Rejeitar o sistema político, devido à relação dúbia que existe entre lobbies económicos e governantes

6. Divulgar o que tem sido descrito junto de outros, procurando alertar consciências

Eu como utópica que sou, não posso deixar de concordar com estes seis pontos, caso contrário nem teria blog... Acho que a ideia fundamental é que mudar o sistema, começa por mudar a mentalidade. Mesmo tendo reservas em relação ao Venus Project, não sei o que os move, nem quem os financia, não podia deixar de divulgar o que me parece ser um excelente ponto de partida para questionar o actual sistema e pensar em alternativas.

segunda-feira, outubro 13, 2008

"There is no democracy"




Excerto do filme "The Network" (1976)

«There are no nations, there are no people (…) There is no democracy, there is no America. There is only IBM and ITT and Exxon, and those are the nations of the world today. The world is a college of corporations inexorably ruled by the laws of business. The world is business.»


sábado, outubro 11, 2008

Socialismo para os ricos, capitalismo selvagem para os pobres

Ignacio Ramonet sobre a Crise financeira, no "Le Monde Diplomatique":

«Prova do fracasso do sistema, tais intervenções do Estado – as maiores, em volume, da história económica – demonstram que os mercados não podem regular-se eles próprios. Os mercados destruíram-se por força da sua própria voracidade. Além disso, confirma-se assim uma lei do cinismo neoliberal: os lucros privatizam-se, mas socializam-se os prejuízos. Faz-se pagar aos pobres as excentricidades irracionais dos banqueiros, vendo-se os primeiros ameaçados, caso se neguem a pagar, com um empobrecimento ainda maior.


As autoridades norte-americanas correm a salvar os «banksters» («banqueiros gangsters») à custa dos cidadãos. Há meses, o presidente Bush negou-se a assinar uma lei que dava cobertura médica a nove milhões de crianças pobres, lei essa que teria o custo de 4 mil milhões de euros. Considerou isso um gasto inútil. Agora, para salvar os rufiões de Wall Street, nada lhe parece suficiente. Socialismo para os ricos, capitalismo selvagem para os pobres.


Este desastre acontece na altura em que há um vazio teórico nas esquerdas. Que não têm nenhum «plano B» para tirar proveito do descalabro. Em particular as da Europa, imobilizadas pelo choque da crise. Quando seria tempo de refundação e de audácia.


Quanto tempo irá durar esta crise? «Vinte anos, se tivermos sorte, menos de dez se as autoridades actuarem com mão firme», vaticinou o editorialista neoliberal Martin Wolf. Se existisse uma lógica política, este contexto deveria favorecer a eleição do democrata Barack Obama (se não for assassinado) para a presidência dos Estados Unidos, no próximo dia 4 de Novembro. É provável que o jovem presidente, como fez Franklin D. Roosevelt em 1930, lance um novo «New Deal» baseado num neokeynesianismo, confirmando o regresso do Estado à esfera económica. E trazendo por fim maior justiça social aos cidadãos. Caminhar-se-á assim rumo a um novo Bretton Woods. E a etapa mais selvagem e irracional da globalização neoliberal terá terminado.»


Será que termina mesmo? Já estive mais optimista... Atirar o dinheiro dos contribuintes para a banca, é bem mais fácil que mudar o sistema... O que é preocupante é que a esquerda não parece ter um plano B, infelizmente...


quarta-feira, outubro 08, 2008

Para pensar e questionar... II

Reparei que o "Zeitgeist adendum" está dividido em 13 partes. Para não sobrecarregar o blog de posts sobre o documentário, deixo o vídeo do filme na íntegra:

terça-feira, outubro 07, 2008

Não é giro questionar o evidente?

Hoje é um dia curioso. Um Estado pode ir à falência, e ainda por cima a Islândia. Parece que não se deve confiar demasiado no mercado, agora é tarde... E o pessoal começa a pensar se não deve levantar o dinheirito do banco, uma vez que os islandeses já não podem. Os Ministros vêm dar garantias. O Vítor Constâncio apela a que não se ouçam boatos. Eu não estaria preocupada com boatos, se fosse dona da Mota Engil e me chamasse Jorge Coelho. Ah... "friends in high places". Até estaria a chorar a rir, se fosse administradora do Leman Brothers e tivesse sido despedida por incompetência com milhões de dólares de indemnização, antes que a bomba da falência rebentasse.

Pois é, há sempre quem ganhe com a desgraça dos outros. E há sempre uns casmurros que não baixam as taxas de juro. Com a desgraça alheia vão ganhando também as petrolíferas, nem com estudos que demonstram práticas ilegais, as coisas mudam. Quando nem as evidências claras levam à mudança, como podemos esperar dias melhores?

Adenda: Será que posso usar activos tóxicos para pagar as minhas contas?


segunda-feira, outubro 06, 2008

Para pensar e questionar...

Zeitgeist é um filme perturbador, que questiona os fundamentos da nossa sociedade, da globalização e do o sistema capitalista. Procura as raízes de problemas tão actuais como a crise financeira e a profunda desigualdade a que estamos sujeitos. Vale a pena ver, nem que seja para discordar. Aqui ficam as 3 primeiras partes:



Parte 1



Parte 2



Parte 3

Inquietante, não? Deixem os vossos comentários, realidade ou teoria da conspiração? Devo postar os próximos episódios? Não se esqueçam de ir ao site do filme e ler a declaração de intenções e os objectivos do projecto. Tenho que pesquisar mais sobre os autores, por isso qualquer ajuda é bem vinda...

PS: Há uma versão legendada em português do primeiro filme... também interessante.



sábado, outubro 04, 2008

Para cidadãos iguais, direitos iguais?

Já falei aqui dos tiques autoritários do Governo PS. Estamos perante mais um exemplo, a imposição de disciplina de voto numa questão dita de consciência (que não sei se o será de facto...), como é a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Até o PSD dá liberdade de voto aos seus deputados... Caramba até nos EUA, os deputados do congresso tiveram liberdade de voto na questão do Plano Paulson, não existiu disciplina de voto para democratas e republicanos.


Este PS está a milhas do socialismo e do que deve ser a democracia. Isto porque um direito que deve ser de todos não está na agenda política do governo e foi trazido à Assembleia por outro partido. É mesquinhez e casmurrice. Nem sequer é uma questão ideológica, aqui ao lado os espanhóis aceitaram muito bem a proposta do PSOE. Em Portugal, perde-se uma boa oportunidade para caminhar no sentido de uma sociedade mais justa e igualitária. Para cidadãos iguais, direitos iguais? Não, não está na agenda do PS...

quinta-feira, outubro 02, 2008

A semana que mudou tudo

É pena que só se consiga ler um artigo bem fundamentado e com soluções concretas para a crise financeira, em inglês e num site pouco divulgado como o Open Democracy. O artigo chama-se "The week that changed everything" e foi escrito por Ann Pettifor, editora do "Real World Economic Outlook". Vale a pena ler o artigo na íntrega, no entanto vou tentar destacar alguns pontos importantes:


A teoria económica neo-liberal tem ignorado o papel da política financeira, enaltecendo a teoria do mercado livre de Friedman e ignorando as teorias Keynesianas. O resultado foi alimentarem três grandes ilusões:


1. As instituições bancárias não são insolventes

2. Permite-se que um receio injustificado de uma inflação alta, fundamente a manutenção de taxas de juro altíssimas, sobretudo quando se caminha para a deflação

3. Não se pensa em políticas economicas globais e a longo prazo


A autora aponta quatro soluções essenciais:

1. À semelhança do que fez Roosevelt nos anos 30, encerrar o sistema bancário para investigar e eliminar todos os produtos financeiros duvidosos, avaliando a verdadeira dimensão dos estragos

2. Fim da política de altas taxas de juro e da obcessão pela inflação para estimular a economia, não se trata de facilitar o crédito, mas torná-lo barato

3. Criar entidade reguladora fiável que represente os interesses de todos e não só os da alta finança

4. Voltar a um sistema de controlo de capitais ao nível internacional, à semelhança do BrettonWoods em 1947


Em suma, não é preciso inventar nada de novo, basta recordar o que foi feito após a Grande Depressão, a chamada era dourado dos mercados financeiros:

«To return to such a golden era, the money-lenders, speculators, and orthodox economists responsible for the gross failures exposed by the week that changed everything must stand aside - so that everything indeed can change, and for the better. »

Vamos ver até que ponto a ortodoxia neo-liberal muda...

quarta-feira, outubro 01, 2008

"Vejo a Rússia da minha casa..."

Correndo o risco de ser acusada de só falar das eleições norte-americanas e na Senhora Palin em particular, cá vai:



E como um não chega, porque há muita matéria-prima, cá vai outro:




Enfim... considerar o facto de «ver a Rússia de casa» como trunfo diplomático, demonstra conhecimentos profundos de política externa... :)))

Ok, já se tornou uma implicância de estimação...