quinta-feira, novembro 29, 2007

"Explicação da Eternidade"

"devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.


os assuntos que julgávamos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.



por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.


os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.


foste eterna até ao fim."


José Luís Peixoto

domingo, novembro 25, 2007

Movido a petróleo

Cartoon de Cristo Komarnitski

in Today's Best Cartoons

sábado, novembro 24, 2007

Palavras muito cristãs


«Se o Papa permitisse isso [permitir às mulheres assumir funções eclesiásticas] haveria conflitos, rupturas e solavancos na sociedade.»

D. José Policarpo (via Visão de 22 de Novembro)



E nós não queremos uma coisa dessas, pois não? Solavancos ainda podem provocar mudanças de mentalidades e isso até faz alergia à Igreja Católica. Bem se vê porque é que toda a polémica em torno da figura de Maria Madalena, tem sido tão mal digerida... Mas o Papa que não se preocupe, porque as mulheres católicas parecem não se importar muito com o facto de estarem afastadas das funções eclesiásticas.



«As classes sociais são um fenómeno tão natural como o sono, a família ou a chuva»


João César das Neves (via Visão de 22 de Novembro)



Ora lá está, aceitar as desigualdades com naturalidade. É impressão minha ou isso não é muito coerente com o “todos são filhos de Deus, à sua imagem e semelhança”? Se calhar percebi mal... o mérito deve ter sido distribuído por Deus de uma forma desigual pela humanidade, uns são mais omnipotentes que outros...


quarta-feira, novembro 21, 2007

"Utilidade do Humor"

Ontem à noite pus-me a reflectir
Nas coisas da vida em vez de dormir
Tive um quebranto fiquei surdo e mudo
Tolhido de espanto mas percebi tudo
O mundo era meu sentia-me um rei
O tempo era extenso e eu ditava a lei

Bastou dar um passo e crescer em frente
Perdi toda a graça quase de repente




Não fosse um sentido de humor apurado
Que me faz viver um sonho acordado
Não via tão claro o sentido da vida
E tudo seria bem mais complicado


Eu era feliz tinha os meus brinquedos
O anjo da guarda tirava-me os medos
Descobri o amor e vi nele o paraíso
Mas para ser expulso às vezes pouco é preciso
Podia ter tudo do bom e do caro
Que nada acodia ao meu desamparo
Sou a alma do mundo mais bem informada
Quanto mais me informo mais sei que sei nada


Não fosse um sentido de humor apurado
Que me faz viver a sonhar acordado
Não via tão claro o significado
E tudo seria bem mais complicado


Letra: Carlos Tê / Música: Hélder Gonçalves
in Cintura, Clã

domingo, novembro 18, 2007

Deontologias

Leio com interesse o post do Devaneios Desintéricos que chama a atenção para o facto da Ordem dos Médicos recusar a alteração do Código Deontológico, face à alteração da lei sobre a IVG. Não me parece correcto que a Ordem tente impor aos seus membros, uma determinada concepção de vida humana, que ainda por cima contradia o que foi referendado e pune quem não a partilha.

Mais do que a existência ou não de uma supremacia da lei ou do estado sobre a liberdade de um órgão corporativo definir o seu código deontológico, para mim a questão central é como pode um código deontológico impor uma determinada concepção de vida humana, cuja definição não é cientificamente unânime e que se prende com uma questão de consciência individual e ética pessoal?


Pretende a Ordem dos Médicos condenar como falta de ética um profissional que leve a cabo um procedimento de IVG, será correcto punir ou expulsar quem não apresente objecção de consciência a tal prática e ainda por cima está no cumprimento da lei e a respeitar o Estado de Direito? O Bastonário garante que não o fará, no entanto acusará esse profissional de “falha grave” e poderá garantir que esse médico não será discriminado social e profissionalmente? Quantos médicos vão quebrar o código deontológico, para cumprir a lei? A resposta é óbvia e as intenções da ordem também.


A Ordem acusa o Estado de autoritarismo por exigir a alteração do Código Deontológico. Pergunto eu, o que é afinal mais autoritário: um Estado que pretende que um código deontológico respeite a liberdade de consciência e o estado de direito ou uma Ordem cujo código deontológico não respeita a liberdade de consciência e o estado de direito? Sendo que a posição dos objectores de consciência à IVG está prevista e legitimada na lei, porque deverão os que não partilham desse ponto de vista ser acusados de falta de ética ou de despeito pelo código deontológico da sua Ordem profissional?


sábado, novembro 17, 2007

«Na minha lista de desejos, uma WII da Nintendo vem muito à frente da democracia»


Esta frase é de uma jovem da nova geração yuppie chinesa. Trata-se da geração entre os 20 e os 30 anos, urbana que tem visto um crescimento do seu rendimento na ordem dos 34%, nos últimos 3 anos. Leio* alguns testemunhos destes jovens, não estão nada preocupados com o autoritarismo do governo, a repressão, os atropelos aos direitos humanos, as profundas desigualdades, as expropriações de terras.


Falam de viagens, roupas, férias na neve, iPpods, consolas, cartões de crédito, mas a política é tabu. «Não há nada que possamos fazer na política, de modo que não interessa falarmos nisso ou envolvermo-nos». A repressão de sublevações como a de Tiananmen é descrita como «certamente necessária”, não fosse a prosperidade económica ficar comprometida. Lá se iam os iPods, as consolas e os cartões de crédito, no fundo o que é verdadeiramente importante. O que interessa que esse conforto seja alimentado à custa da pobreza e sacrifício do mundo rural (recordo que já escrevi sobre este tema aqui).


Simon Elegant o repórter que recolheu estes testemunhos, deu ao artigo o nome de “Geração EU” e muito bem*. O materialismo e o hedonismo são os piores inimigos da democracia e da defesa dos direitos humanos. A geração Eu é muito evidente na China, mas não é um fenómeno exclusivo deste país. Basta olharmos em volta para verificarmos que o materialismo impera, leva ao conformismo e à apatia, toda a ética e sensibilidade social começa a passar para segundo plano. Não será a geração EU a grande ameaça à democracia e aos direitos humanos?


* Refiro-me ao Artigo "A geração EU" de Simon Elegant in Visão de 8 de novembro de 2007

quarta-feira, novembro 14, 2007

Falta qualquer coisa

[...] numa tacinha, achamos a nossa vida de hoje e qual o sentido da nossa vida de hoje, o que fazemos com ela, dias atrás de dias, o supermercado, o jantar no restaurante ao domingo, a maçada das crianças às vezes e não era bem isto que nos apetecia, não era bem isto o que tínhamos desejado, falta qualquer coisa, onde é que erramos, o que falhámos, não somos infelizes mas também não temos o que secretamente ansiávamos, os anos vão passando



(- o que tu cresceste)


E não temos o que secretamente ansiávamos, de vez em quando momentos tão vazios, de vez em quando, mesmo no meio dos outros, uma solidão tão grande, um desamparo, uma sensação de queda, esta dificuldade em respirar, porque a mobília sufoca, que vem e desaparece e volta, de vez em quando, sem motivo, vontade de chorar, não lágrimas grandes, não soluços, uma coisa vaga, uma pergunta

- E agora?


António Lobo Antunes “Nada de especial” in Visão de 8 de Novembro de 2007

domingo, novembro 11, 2007

Grandes aspirações

Cartoon de Monte Wolverton

In "Today's best cartoons"

sábado, novembro 10, 2007

Sobreviver em Bagdad

«Ao passar por cima da capital iraquiana somos confrontados com uma névoa espessa que paira sobre a cidade. É muito difícil perceber se é neblina ou fumo libertado pelas bombas e pelos prédios incendiados. (...) são oito da manhã, mas nesta cidade deixou de haver horas, ou se as há contam-se ao ritmo das explosões e com a medida dos cadáveres que se acumulam.


(...) Converso com um viajante, que parece ter mais de 50 anos, mas tem apenas 35. Faço a pergunta ritual “Chako mako?” (Isso vai ou não vai?). Com um sorriso desiludido responde: «Vai indo, carros armadilhados, atentados suicidas, franco-atiradores e tiros de rajada, cadáveres que se vêem pela rua de manhã, preços que disparam...». se é isso que vai indo, então o que é que não vai? A resposta sai lesta: «o governo não vai. A esperança não vai. A segurança não vai. A estabilidade não vai.»


Excerto de “Como sobreviver à violenta Bagdade” in Courrier International ed.134


terça-feira, novembro 06, 2007

"Ao rosto vulgar dos dias"

Monstros e homens lado a lado,

Não à margem, mas na própria vida.

Absurdos monstros que circulam

Quase honestamente.

Homens atormentados, divididos, fracos.

Homens fortes, unidos, temperados.



Ao rosto vulgar dos dias,

A vida cada vez mais corrente,

As imagens regressam já experimentadas,

Quotidianas, razoáveis, surpreendentes.



Imaginar, primeiro, é ver.

Imaginar é conhecer, portanto agir.


Alexandre O´Neill

Poesias Completas

sábado, novembro 03, 2007

Myanmar: Moscovo apoia a junta militar

Quem ouviu o Presidente Putin, em Lisboa, falar de um Instituto para os direitos humanos na Rússia, esperaria uma posição firme contra a junta militar birmanesa. Atitude ingénua, de facto… A Rússia mantém contratos de armamento com aquele país, foram vendidos 15 caças e está em fase de negociação a construção de um sistema de defesa aérea com mísseis russos.


Em contrapartida, Moscovo obtém importantes concessões petrolíferas, como a exploração das jazidas de petróleo e gás birmanesas, para consolidar a sua posição no mercado europeu da energia.


Abdicar de tudo isto em nome dos direitos humanos, seria pedir muito, não era?


Moscovo opõem-se às sanções económicas contra Myanmar. É muito mais conveniente o Ministro dos Negócios estrangeiros russo recomendar “medidas para evitar um agravamento das tensões”, dando a entender que admite a repressão governamental para manter a estabilidade. É a real politik, interesses mais altos se levantam e estes nunca são os direitos humanos…